Redesenhar o mapa da Federação Russa: Partição da Rússia após uma III Guerra Mundial?
O objetivo final dos EUA e da NATO é dividir (balcanizar) e pacificar (finlandizar) o maior país do mundo, a Federação Russa, e estender mesmo um manto de desordem perpétua (somalização) sobre o seu vasto território ou, pelo menos, sobre uma parte da Rússia e do espaço pós-soviético, à semelhança do que está a ser feito no Médio Oriente e no Norte de África.
A futura Rússia ou as muitas futuras Rússias, uma pluralidade de estados enfraquecidos e divididos, que Washington e os seus aliados da NATO prevêem, estará/estarão demograficamente em declínio, desindustrializadas, pobres, sem qualquer capacidade de defesa e sem zonas interiores que possam ser exploradas para obter recursos.
Os planos imperiais de caos para a Rússia
Washington e a NATO não se contentaram com a destruição da União Soviética. O objetivo final dos EUA é impedir que surjam quaisquer alternativas a uma integração euro-atlântica na Europa e na Eurásia. É por isso que a destruição da Rússia é um dos seus objetivos estratégicos.
Os objetivos de Washington estiveram vivos e presentes durante a luta na Chechénia. Também puderam ser vistos na crise que irrompeu em EuroMaidan na Ucrânia. De facto, o primeiro passo para o divórcio entre a Ucrânia e a Rússia foi um catalisador para a dissolução de toda a União Soviética e para quaisquer tentativas de a reorganizar.
O intelectual polaco-americano, Zbigniew Brzezinski, que foi conselheiro de segurança nacional do presidente americano Jimmy Carter e um dos arquitetos por trás da invasão soviética do Afeganistão, defendeu a destruição da Rússia através duma desintegração e devolução graduais. Estipulou que “uma Rússia mais descentralizada seria menos suscetível à mobilização imperialista” [1] Por outras palavras, se os EUA dividissem a Rússia, Moscovo não poderia desafiar Washington. Neste contexto, afirma o seguinte: “Uma Rússia confederada informalmente – formada por uma Rússia europeia, uma república siberiana e uma república do extremo oriente – teria mais facilidade de cultivar regulações económicas mais estreitas com a Europa, com os novos estados da Ásia central e com [a Ásia oriental], acelerando assim o desenvolvimento da Rússia”. [2]
Esta perspetiva não está restrita apenas a qualquer torre de marfim de académicos ou a grupos de pensamento isolados. Tem o apoio de governos e até tem aderentes cultos. Segue-se abaixo uma reflexão sobre ela.
Os media dos EUA prevêem a balcanização da Rússia
Em 8 de Setembro de 2014, Dmytro Sinchenko publicou um artigo sobre a divisão da Rússia. Este artigo intitula-se “À espera da III Guerra Mundial: Como o mundo mudará”. [3] Sinchenko esteve envolvido no EuroMaidan. A sua organização, a iniciativa ucraniana “Movimento de Estadistas”, defende um nacionalismo étnico, a expansão territorial da Ucrânia à custa da maior parte dos países fronteiriços, o reforço da Organização para a Democracia e Desenvolvimento Económico da Geórgia-Ucrânia-Azerbaijão-Moldova (GUAM), pró-EUA, a adesão à NATO e o lançamento de uma ofensiva para derrotar a Rússia, fazendo parte dos seus objetivos de política externa. [4] Em jeito de nota, a inclusão da palavra democracia no GUAM não deve iludir ninguém: o GUAM, como prova a inclusão da República do Azerbaijão, não tem nada a ver com democracia, mas apenas com contrabalançar a Rússia na Comunidade de Países Independentes (CPI).
O artigo de Sinchenko começa por falar sobre a história do “Eixo do Mal”, frase que os EUA têm usado para denegrir os seus inimigos. Fala sobre como George W. Bush Jr. cunhou a frase em 2002, agrupando o Iraque, o Irão e a Coreia do Norte, como John Bolton alargou o Eixo do Mal para incluir Cuba, a Líbia e a Síria, como Condoleezza Rice incluiu a Bielorrússia, o Zimbabué e Myanmar (Birmânia) e, por fim, propõe juntar a Rússia à lista, como o principal estado pária do mundo. Chega a argumentar que o Kremlin está envolvido em todos os conflitos nos Balcãs, no Cáucaso, no Médio Oriente, no Norte de África, na Ucrânia e no sudeste asiático. Prossegue, acusando a Rússia de planear invadir os estados bálticos, o Cáucaso, a Moldova, a Finlândia, a Polónia e, mais ridiculamente ainda, dois dos seus aliados militares e políticos mais próximos, a Bielorrússia e o Cazaquistão. Tal como insinua o título do artigo, chega a afirmar que Moscovo está propositadamente a pressionar para uma terceira guerra mundial.
Esta ficção não é uma coisa que tenha sido noticiada nas redes empresariais alinhadas com os EUA, mas é algo que tem sido publicado diretamente pelos media que são propriedade do governo dos EUA. A previsão foi publicada pelo serviço ucraniano da Radio Free Europe / Radio Liberty, que tem sido um instrumento de propaganda dos EUA na Europa e no Médio Oriente para ajudar a derrubar governos.
De modo arrepiante, o artigo tenta dourar as possibilidades duma nova guerra mundial. Ignorando de modo revoltante o uso de armas nucleares e a destruição maciça que significaria para a Ucrânia e para o mundo, o artigo pinta mistificatoriamente uma imagem simpática de um mundo que será corrigido por uma grande guerra global. A Radio Free Europe/Radio Liberty e o autor estão essencialmente a dizer ao povo ucraniano que “a guerra é boa para vocês” e que, depois duma guerra com a Rússia, surgirá um paraíso utópico qualquer.
O artigo também se encaixa perfeitamente nos contornos da previsão de Brzezinski para a Rússia, para a Ucrânia e para o subcontinente eurasiano. Prevê a divisão da Rússia, enquanto a Ucrânia passa a fazer parte duma União Europeia alargada, que inclui a Geórgia, a Arménia, a República do Azerbaijão, a Bielorrússia, Israel, o Líbano e a dependência dinamarquesa da Gronelândia no continente americano. Também controla uma confederação de estados no Cáucaso e no Mar Mediterrâneo – esta última poderá ser a União dos Mediterrânicos, que englobaria a Turquia, a Síria, o Egito, a Líbia, a Tunísia, a Argélia, Marrocos e o território ocupado por Marrocos da República Árabe Saaraui Democrática, ou Saara Ocidental. A Ucrânia é apresentada como um componente integral da União Europeia. Neste aspeto, a Ucrânia aparece situada num corredor franco-alemão-polaco-ucraniano, alinhado com os EUA, e num eixo Paris-Berlim-Varsóvia-Kiev cuja criação Brzezinski defendeu em 1997, e que Washington usaria para desafiar a Federação Russa e os seus aliados no CPI. [5]
Redesenhar a Eurásia: Mapas de Washington de uma Rússia dividida
Com a divisão da Federação Russa, o artigo da Radio Free Europe/Radio Liberty afirma que qualquer rivalidade bipolar entre Moscovo e Washington acabará depois da III Guerra Mundial. Numa profunda contradição, afirma que só quando a Rússia for destruída, haverá um mundo multipolar genuíno, mas também sugere que os EUA será a principal potência global dominante apesar de Washington e de a União Europeia saírem enfraquecidos desta grande guerra prevista com os russos.
.Acompanhando o artigo há também dois mapas que sublinham o novo traçado do espaço euroasiático e a forma do mundo após a destruição da Rússia. Além disso, nem o autor nem os seus dois mapas reconhecem a alteração de fronteiras na Península da Crimeia e representam-na como uma parte da Ucrânia e não da Federação Russa. De ocidente para oriente fazem-se as seguintes alterações à geografia da Rússia:
• O oblast russo de Kaliningrado será anexado pela Lituânia, pela Polónia ou pela Alemanha. Seja como for, passará a fazer parte duma União Europeia alargada.
• A Carélia de leste (Carélia russa) e o que é atualmente o súbdito federal da República da Carélia no interior do Distrito Federal Noroeste da Rússia, juntamente com a cidade federal de S. Petersburgo, o oblast de Novgorod, os dois terços do norte do oblast Pskov e o oblast de Murmansk são separados da Rússia para formarem um país alinhado com a Finlândia. Esta área até pode ser absorvida pela Finlândia para criar uma Grande Finlândia. Embora o oblast de Arcangel (Arkhangelsk) esteja listado no artigo como uma parte desta área repartida, não está incluída no mapa (provavelmente devido a um erro no mapa).
• Os distritos administrativos a sul, de Sebezhsky, Pustoshkinsky, Nevelsky, e Usvyatsky no oblast de Pskov do Distrito Federal Noroeste e os distritos administrativos mais ocidentais de Demidovsky, Desnogorsk, Dukhovshchinsky, Kardymovsky, Khislavichsky, Krasninsky, Monastyrshchinsky, Pochinkovsky, Roslavlsky, Rudnyansky, Shumyachsky, Smolensky, Velizhsky, Yartsevsky e Yershichsky, assim como as cidades de Smolensk e Roslavl, no oblast de Smolensk do Distrito Federal Central, são ligados à Bielorrússia. Os distritos de Dorogobuzhsky, Kholm-Zhirkovsky, Safonovsky, Ugransky, e Yelninsky do oblast de Smolensk e os distritos Yelninsky aparecem ainda mais repartidos no mapa, com a nova fronteira entre a Bielorrússia e a Rússia amputada conforme proposto.
• O Distrito Federal do Cáucaso Norte da Rússia, que engloba a República do Daguestão, a República de Inguchétia, a República Cabárdia-Balcária, a República Carachai-Circácia, a República da Ossétia-Alânia do Norte, o Krai de Stavropol, e a Chechénia, fica separado da Rússia como uma confederação caucasiana sob a influência da União Europeia.
• O Distrito Federal Sul da Rússia, que é formado pela República da Adigueia, o oblast de Astracã, o oblast de Volgogrado, a República da Calmúquia, o Krai de Krasnodar e o oblast de Rostov, é totalmente anexado pela Ucrânia; isso leva a uma fronteira partilhada entre a Ucrânia e o Cazaquistão e corta a Rússia do Mar Cáspio, rico em energia, e também a sul a uma fronteira direta com o Irão.
• A Ucrânia também anexa os oblasts de Belgorod, Bryansk, Kursk, e Voronej do distrito federal mais densamente povoado e de maior área da Rússia, o Distrito Federal Central.
• A Sibéria e o extremo oriente russo, especificamente o Distrito Federal da Sibéria e o Distrito Federal do Extremo Oriente, são separados da Rússia.
• O texto diz que todo o território da Sibéria e a maior parte do território do extremo oriente russo, que englobam a República do Altai, Altai Krai, o oblast de Amur, a República da Buriácia, Chukotka, o oblast Autónomo Judaico, o oblast de Irkutsk, Kamchatka Krai, o oblast de Kemerovo, Khabarovsk Krai, a República de Cacássia, Krasnoyarsk Krai, o oblast de Magadan, o oblast de Novosibirsk, o oblast de Omsk, Primorsky Krai, a República Iacútia, o oblast Tomsk, a República Tuva e Zabaykalsky Krai, ou passam a ser vários estados independentes dominados pelos chineses ou, juntamente com a Mongólia, passam a ser novos territórios da República Popular da China. O mapa desenha categoricamente a Sibéria, a maior parte do extremo oriente russo e a Mongólia como território chinês. A única exceção é o oblast Sacalina.
• A Rússia perde a Ilha Sacalina (chamada Saharin e Karafuto em japonês) e as Ilhas Curilas, que constituem o oblast Sacalina. Estas ilhas são anexadas pelo Japão.
Na sua página da Internet , Sinchenko publicou o seu artigo da Radio Free Europe/Radio Liberty, uns dias mais cedo, a 2 de Setembro de 2014. Os mesmos mapas, que são atribuídos à Radio Free Europe/Radio Liberty, também estão ali presentes. [6] Mas há uma imagem adicional na página da Internet de Sinchenko que vale a pena assinalar. É uma imagem da Rússia a ser alegremente esquartejada para consumo, como uma grande refeição de todos os países fronteiriços. [7]
O banquete às custas da Rússia, segundo Dimitri Sinchenko.
Mapeando uma Nova Ordem Mundial: O mundo depois da III Guerra Mundial?
O segundo mapa é o mundo após a III Guerra Mundial, que fica dividido em vários estados supranacionais. O Japão é a única exceção. O segundo mapa e os seus estados supranacionais podem descrever-se assim:
• Como referido anteriormente, a União Europeia está alargada e controla as suas periferias no Cáucaso, no sudeste asiático e no Norte de África. É a concretização do Diálogo Mediterrâneo e da Parceria para a Paz, da NATO, a nível político e militar e da Associação Oriental e da Parceria Euro-Mediterrânica, da União Europeia (a União do Mediterrâneo) a nível político e económico.
• Os Estados Unidos formam uma entidade supranacional com base na América do Norte, que inclui o Canadá, o México, a Guatemala, o Belize, El Salvador, as Honduras, a Nicarágua, a Costa Rica, o Panamá, a Colômbia, a Venezuela, o Equador, as Guianas (Guiana, Suriname, e Guiana Francesa) e todas as Caraíbas.
• Todos os países que não sejam engolidos pelos EUA na América do Sul formarão a sua entidade supranacional numa América do Sul mais pequena, que será dominada pelo Brasil.
• Formar-se-á uma espécie de bloco ou entidade supranacional no sudoeste asiático, com o Afeganistão, o Paquistão, o Irão, o Iraque, a Jordânia, a Arábia Saudita, o Kuwait, o Bahrain, o Qatar, os Emiratos Árabes Unidos, Omã e o Iémen.
• Formar-se-á uma espécie de entidade supranacional no subcontinente indiano ou sul da Ásia com a Índia, o Sri Lanka (Ceilão), o Nepal, o Butão, o Bangladesh, Myanmar (Birmânia) e a Tailândia.
• Haverá uma entidade supranacional na Australásia e na Oceânia que incluirá as Filipinas, a Malásia, Singapura, o Brunei, a Indonésia, Timor Leste, a Papua Nova-Guiné, a Nova Zelândia e as ilhas do Pacífico. Esta entidade incluirá a Austrália e será dominada por Canberra.
Com exceção do Norte de África, que será controlado pela União Europeia, o resto da África será unificada sob a chefia da África do Sul.
• Uma entidade supranacional do leste da Ásia incluirá a maior parte da Federação Russa, a Indochina, a China, a Península Coreana, a Mongólia e a Ásia Central pós-soviética. Esta entidade será dominada pelos chineses e dominada a partir de Beijing.
Embora o artigo da Radio Free Europe e os dois mapas pós III Guerra Mundial possam ser considerados como noções fantasiosas, temos que fazer algumas perguntas importantes. Primeiro, onde é que o autor foi buscar estas ideias? Foram transmitidas através de quaisquer “workshops” apoiados pelos EUA e pela União Europeia indiretamente? Segundo, o que sustenta a visão do autor duma paisagem política pós III Guerra Mundial?
O autor, essencialmente, segue o traçado de Brzezinski duma Rússia dividida. O texto e os mapas até incluíram as áreas do norte de África, do Médio Oriente e do Cáucaso, que a União Europeia considera como uma segunda periferia ou camada de si mesma. Estas áreas até estão pintadas com um azul mais claro do que o azul mais escuro que identifica a União Europeia.
Mesmo que não se dê importância à Radio Free Europe, ninguém deve esquecer o facto de que o Japão continua a reclamar o oblast de Sacalina e os EUA, a União Europeia, a Turquia e a Arábia Saudita têm apoiado movimentos separatistas tanto no Distrito Federal Sul como no Distrito Caucasiano Norte da Federação Russa.
Ucranianismo
O artigo da Rádio Free/Radio Liberty exibe indícios de ucranianismo, que vale a pena mencionar brevemente.
As nações são construídas porque todas elas são comunidades dinâmicas que, duma forma ou de outra, são construídas e mantidas juntas pelo coletivo dos indivíduos que formam as sociedades. Neste aspeto podem ser chamadas de comunidades imaginadas.
Há maquinações em marcha para desconstruir e reconstruir nações e grupos no espaço pós-soviético e no Médio Oriente. Isto pode chamar-se a manipulação do tribalismo em calão sociológico e antropológico ou, no calão político, a representação do Grande Jogo. Neste contexto, o ucranianismo tem sido especialmente apoiante de elementos anti-governo e dos sentimentos nacionalistas anti-russos na Ucrânia há mais de cem anos, primeiro pelos austríacos e os alemães, depois através dos polacos e dos britânicos, e agora pelos EUA e a NATO.
O ucranianismo é uma ideologia que procura coisificar e impor uma nova imagem coletiva ou uma memória histórica falsa entre o povo ucraniano sobre ele terem sido sempre uma nação e um povo separados é uma projeção política que procura negar a unidade histórica dos eslavos orientais e as raízes geográficas e o contexto histórico por trás da distinção entre ucranianos e russos. Por outras palavras, o ucranianismo procura descontextualizar e esquecer o processo que levou à distinção entre ucranianos e russos.
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A Rússia sempre ressurgiu das cinzas. A história pode testemunhá-lo. Venha o que vier, a Rússia ficará de pé. Sempre que todos os diversos povos da Rússia se uniram sob uma bandeira pela sua pátria, estilhaçaram impérios. Sobreviveram a guerras e invasões catastróficas e venceram os seus inimigos. Os mapas e as fronteiras podem mudar, mas a Rússia permanecerá.
Tradução de Margarida Ferreira.
O original encontra-se em Stragic Culture Foundation
Notas
[1] Zbigniew Brzezinski, The Grand Chessboard: American Primacy and Its Geo-strategic Imperatives (NYC: Basic Books, 1997), p.202.
[2] Ibid.
[3] “Waiting for World War III: How the World Will Change” Radio Free Europe/Radio Liberty], September 8, 2014.
[4] Ukrainian Initiative “Statesmen Movement” Foreign Policy Strategy Statesman Movement: Chasing Dreams/Visions. Accessed September 9, 2014.
[5] Brzezinski, The Grand Chessboard, op. cit., pp.85-86
[6] Dmytro Sinchenko, “Waiting for World War III: How the World Will Change”, Dmytro Sinchenko {blog}], September 2, 2014, Accessed September 3, 2014: .
[7] Ibid.