Quando o dólar reanimar, o mercado entrará em crash
Taxas de juro. O Fed (Reserva Federal) não precisa de mulheres sedutoras com grandes decotes para traficar dinheiro. Tudo o que precisa são taxas de juro baixas. Quando faz as taxas descerem para valores mais baixos do que a inflação, o Fed proporciona um subsídio aos empréstimos tomados. Não é assim tão difícil de entender. Se me predispusesse a dar-te 1 dólar por cada 90 cêntimos que me desses de volta, comprarias todos os dólares que pudesses. O Fed opera da mesma forma. Produz actividade de mercado criando incentivos à tomada de empréstimos. Os empréstimos conduzem à especulação e esta conduz à subida constante do valor dos activos. São estas as regras do jogo. O Fed não é um observador imparcial da actividade do mercado livre. Conduz o mercado, estimula a especulação e controla o seu comportamento pela fixação das taxas de juro.
Quando o Lehman Bros se afundou no ano passado, os mercados entraram e queda livre. Uma correcção imediata transformou-se num verdadeiro pânico. A bolha estourou e milhões de mihões (trillions) de dólares em crédito desapareceram num ápice. De um dia para o outro, cessaram as transacções de títulos de dívida exóticos. Seguiu-se uma liquidação à escala global. Os mercados desabaram. Por uns instantes, parecia que todo o sistema poderia desabar.
A intervenção de emergência do Fed impediu o sistema de sucumbir, mas a economia ainda está arruinada pela deflação. Milhares de milhões de resíduos tóxicos agora entopem o balanço da Reserva Federal. O dólar caiu como um pedregulho.
Quando o sistema financeiro explode e o crédito é engolido pelo buraco do capital abaixo, a economia entra numa espiral descendente. O comércio reduz drasticamente os stocks e despede trabalhadores que, por sua vez, têm de reduzir os seus gastos e o crédito. Isto origina menos procura de produtos, que leva a mais despedimentos. É este o círculo vicioso que os decisores políticos tentam evitar. É por isso que o presidente do Fed, Ben Bernanke, fez uso da artilharia pesada e lançou a mais agressiva intervenção da história do banco central.
O Fed deixou as taxas de juro caírem a zero, mas o seu programa de Facilidade Quantitativa (Quantitative Easing), que monetizou a dívida, na verdade fez descer as taxas para valores ainda mais baixos – aproximadamente para o 2 por cento negativos.
Bernanke comprometeu-se com todos os sectores do sistema financeiro através de garantias governamentais. Providenciou empréstimos no valor pleno para colaterais duvidosos que apenas valiam uma fracção do seu valor original. O mercado já não consegue funcionar sem o Fed. Aliás, o Fed É o mercado, razão pela qual é um disparate falar acerca de “recuperação”. A ideia de recuperação implica um sistema auto-sustentado baseado na oferta e na procura. Mas, por enquanto, o governo providencia a procura, o que indica que não há mercado nem recuperação. Analistas do Goldman Sachs resumiram a situação desta forma:
“Quanto da retomada doi PIB real foi resultado do estímulo fiscal e, até à data, onde nos encontramos em termos dos efeitos dos estímulos? Embora nesta conjuntura seja impossível dar respostas precisas, vários aspectos do relatório são consistentes com as nossas estimativas de que o pacote fiscal decretado em meados de Fevereiro, a chamada Lei para a Recuperação e Reinvestimento Americano (American Recovery and Reinvestment Act), teria representado praticamente todo o crescimento do terceiro trimestre”. (http://www.zerohedge.com/article/hedging-their-bets)
O crescimento positivo é uma ilusão criada pelos gastos do governo. A economia continua estatelada no chão. Os gastos dos consumidores e o crédito estão em quebra acentuada. O desemprego aumenta gradualmente (apesar de crescer a um ritmo mais lento) e os salários estão sem sinais vitais (flatlining), com a agravante de poderem cair pela primeira vez em 30 anos. As pressões deflacionárias estão em andamento. Os rumores de uma “recuperação sem emprego” são intencionalmente enganadores. Os empregos SÃO a recuperação e, por isso, uma recuperação sem postos de trabalho indica meramente uma inflação de activos causada por uma política monetária errática. As bolsas de valores em recuperação não deveriam ser confundidas com uma recuperação genuína.
A Reserva Federal enfrenta fortes ventos adversos. As taxas de juro baixas poderão ter consequências inesperadas. O baixo custo do dólar tornou-o a divisa preferencial do carry trade [1] . Os investidores tomam dólares emprestados a baixo custo e usam-nos para comprar activos a juros mais elevados noutras paragens. O processo, que sobe em flecha, está repleto de perigos, como alerta o economista Nouriel Roubini num artigo do Financial Times:
“Desde Março tem havido uma corrida maciça a todo o tipo de activos de risco… e uma corrida ainda maior em certas classes de activos de mercados emergentes (as suas acções, títulos de dívidas e divisas). Simultaneamente, o dólar desvalorizou acentuadamente, enquanto o rendimento dos títulos de dívida do governo aumentou ligeiramente, embora continuassem em baixa e estáveis…
Mas enquanto a economia dos EUA e a economia global encetaram uma recuperação modesta, os preços dos activos subiram em flecha desde Março numa corrida grande e sincronizada. … O valor dos activos de risco subiu demasiado, demasiado cedo e demasiado rápido, comparado com os fundamentos macroeconómicos.
Então o que está por detrás desta reanimação maciça? Certamente ela tem sido ajudada por uma onda de liquidez devido às taxas de juro próximas do zero e à facilidade quantitativa. Mas um factor ainda mais importante que alimenta esta bolha de activos é a fraqueza do dólar norte-americano, conduzido pela mãe de todos os carry trades. O dólar norte-americano tornou-se a principal divisa dos carry trades, pois o Fed tem mantido as taxas de juro em suspenso e acredita-se que continuará a fazê-lo por longo tempo. Os investidores que se têm aproveitado do dólar norte-americano para comprar numa base altamente alavancada activos de rendimento mais alto e outros activos globais não estão apenas a tomar emprestado a taxas de juro de 0% em termos de dólar; eles estão a tomar emprestado a taxas de juros muito negativas…
Qualquer investidor que entre neste jogo arriscado parece um génio – mesmo que apenas vá à boleia de uma imensa bolha financiada por um grande custo negativo de tomar emprestado…
…Esta política alimenta simultaneamente a bolha de activos global e uma nova bolha dos activos nos EUA…
A temerária política norte-americana que está a alimentar estes carry trades está a obrigar outros países a seguirem a sua política de facilidade monetária. … Isto está a manter as taxas de juro a curto prazo mais baixas do que seria desejável. … Assim, a bolha perfeitamente correlacionada através de todas as classes de activos globais torna-se maior a cada dia que passa.
Mas um dia, esta bolha irá rebentar, dando origem à maior queda coordenada de activos: caso as condicionantes conduzirem o dólar a reverter o seu curso e valorizar-se subitamente…, o carry trade alavancado terá de fechar repentinamente, pois os investidores cobrirão a sua exposição short em dólares. Seguir-se-á um pânico, à medida que o encerramento de posições em activos de risco muito alavancados em todas as classes de activos financiados pelo dólar provocar um colapso coordenado de todos esses activos de risco – acções, commodities, classes de activos de mercados emergentes e instrumentos de crédito”. (“The Mother of all Carry Trades Faces an Inevitable Bust”, Nouriel Roubini, Financial Times)
Qualquer pessoa atenta ao mercado percebeu a correlação inversa entre as acções e o dólar. Quando o dólar esmorece, as acções disparam. Quando o dólar ganha força, as acções descem a pique. Finalmente, o dólar irá reverter o seu curso e encetar uma recuperação, provavelmente quando Bernanke parar o seu trabalho tipográfico. Isso disparará a próxima correcção grave a qual fará explodir bolhas por todas as classes de activos.
O êxito de Bernanke em reflacionar preços de activos a afundarem dependeu inteiramente da manipulação das taxas de juro e das injecções de liquidez. Não houve esforço para reparar o balanço das famílias, aumentar a produção ou reforçar a procura global. É um truque astuto de um mestre ilusionista, mas tem os seus custos. Quando o dólar reanimar, os mercados entrarão em crash. E Bernanke será o responsável.
[1] Carry trade: Operação financeira que consiste em tomar dinheiro num país com taxa de juros baixa e aplicá-lo em outro país onde as taxas de juros sejam superiores.
O original encontra-se em http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=15919 .
Tradução de EC, http://resistir.info/ .