Pacto orçamentário europeu atenta contra independência da França
Se trata de uma política de austeridade contra o interesse geral do país e condenada ao fracasso
O governo socialista de François Hollande se prepara para adotar por meio do parlamento o Pacto Orçamentário Europeu, também chamado de Tratado de Estabilidade, Coordenação e Governança (TECG), que, além de implementar definitivamente uma política de austeridade, atenta contra a independência da França, que já não poderá decidir de forma soberana sobre seu orçamento nacional
A França de François Hollande está a ponto de ratificar o Tratado de Estabilidade, Coordenação e Governança (TECG), imposto pela Alemanha de Angela Merkel e adotado na Europa. Este texto introduz a chamada “regra de ouro”, de agora em diante obrigatória para todos os países membros da zona do euro, e instaura de fato uma política de austeridade, impedindo que os Estados apresentem um orçamento com um déficit superior a 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto).
Efe (22/09/2012)
Imposto pela Alemanha de Angela Merkel, o pacto orçamentário europeu pode decretar o fim da soberania francesa
Aprovado em 2 de março de 2012 por Nicolas Sarkozy e outros 24 dirigentes europeus, o TECG será prontamente submetido ao Parlamento francês, dominado pelo Partido Socialista, mediante um procedimento de maioria simples nas duas assembleias, sem que o tratado seja modificado em nenhum aspecto. A regra de ouro se tranformaria, então, em lei e proibiria todo déficit público sob pena de graves sanções por parte da União Europeia.
E o que é ainda mais grave, a França perde grande parte de sua soberania com o TECG. O Parlamento francês terá que submeter, obrigatoriamente, seu orçamento anual à Comissão Européia, cujos membros não foram eleitos por sufrágio universal, e que poderá realizar as arbitrariedades que julgue necessárias sem ter que prestar conta alguma aos cidadãos e, portanto, decidirá o futuro da nação. Assim, o TECG torna obrigatória a aplicação das políticas de austeridade na Europa, sem que se possa explorar nenhuma via alternativa.
Para a França, enquanto o país se encontra na iminência da recessão e, logicamente, deve injetar fundos na economia, o retorno ao equilíbrio orçamentário imposto pelo TECG, que implica voltar a um déficit de 3% em 2012, significa que 33 bilhões de euros redistribuídos pelo Estado precisam ser retirados da economia nacional. Isso seria válido apenas se fossem confirmadas as hipóteses de crescimento por volta de 1%, o que não parece ser o caso, para que se suponha que o Estado reduza inevitavelmente seus gastos públicos, o que terá um impacto social.
Da mesma forma, para alcançar o equilíbrio orçamentário em 2017, como se comprometeu o presidente francês François Hollande, seria preciso retirar 60 bilhões de euros da circulação econômica, o que equivale à metade da soma prevista no Plano de Recuperação (Plan de Reactivación), de 120 bilhões de euros (inferior a 1% do PIB europeu), que adotou a União para todos os países da zona do euro, destinado a estimular o crescimento.
O Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEDE) é destinado oficialmente a oferecer ajuda aos países em dificuldades. No entanto, só diz respeito aos países que adotaram o TECG. Trata-se, na verdade, do meio utilizado pelos partidários do neoliberalismo, representados por Angela Merkel, para impor políticas de austeridade que, além de ter graves consequências sociais nas populações, são economicamente ineficazes.
De fato, onde quer que tenham sido aplicados os planos de austeridade, seja na Grécia, na Itália, na Irlanda, em Portugal ou na Espanha, a crise da dívida, longe de desaparecer, se agravou e as condições de vida das pessoas têm se deteriorado consideravelmente, com uma explosão do desemprego e uma destruição organizada do sistema de proteção social e do Estado de bem-estar.
Exemplos
Os exemplos mais emblemáticos são Grécia e Espanha, onde as receitas de choque foram impostas pela força. Os resultados são catastróficos do ponto de vista político, econômico e social.
Na Grécia, por conta da aplicação de nove planos de austeridade com um aumento massivo dos impostos, entre eles o IVA, alta de preços, redução dos salários (até 32% do salário mínimo!) e das pensões de aposentadoria, adiamento da idade legal da aposentadoria, destruição dos serviços públicos de primeira necessidade como educação e saúde, supressão das ajudas sociais e privatização dos setores estratégicos da economia nacional (portos, aeroportos, ferrovias, gás, água, petróleo), a produção caiu em 20%, o desemprego explodiu e a crise da dívida piorou. Efetivamente, hoje está maior do que era antes da intervenção das instituições financeiras internacionais, em 2010.
Depois do desastre grego causado pelas políticas de austeridade da Troika (Banco Central Europeu, União Europeia e Fundo Monetário Internacional), agora é a Espanha que está à beira do abismo. Foi aplicada pela força no povo espanhol a mesma terapia de choque com as mesmas consequências desastrosas. O governo de Mariano Rajoy impôs aos cidadãos “um plano de rigor colossal”, segundo o jornal econômico francês La Tribune, com uma diminuição dos gastos de 102 bilhões de euros até 2014: redução drástica do número de funcionários, dos investimentos em educação e saúde e diminuição dos salários, alta dos impostos, incluindo o IVA, e redução dos benefícios familiares, dos subsídios de desemprego e das pensões de aposentadoria, entre outros. Tudo isso em um país atingido por uma taxa de desemprego recorde de 25%, com uma explosão da pobreza. Por sua vez, a Comissão Europeia, longe de se preocupar com as consequências sociais e humanas que essas medidas implicam, “parabeniza a adoção do plano plurianual da Espanha”.
O TECG, que impõe políticas de austeridade como a única regra possível, está condenado ao fracasso e agravará inevitavelmente a crise econômica na Europa, já em plena recessão. Sendo assim, o conceito da “regra de ouro” acaba se tornando duvidoso, já que, ao reduzir a capacidade de endividamento dos Estados, os priva de toda possibilidade de realizar investimentos que estimulariam o crescimento. As consequências sociais ocasionarão uma crise política de envergadura, cujo desfecho ninguém pode prever, em um contexto de ressurgimento da extrema direita em todo o continente.
O governo socialista de François Hollande tem a obrigação moral de submeter o TECG ao povo por referendo depois de um amplo debate público. Está em jogo o porvir da democracia na França, já sensivelmente prejudicada pela adoção por via parlamentar do Tratado de Lisboa em 2007, enquanto o povo o havia rejeitado dois anos antes pelo referendo.
Salim Lamrani é Doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos da Universidade Paris Sorbonne-Paris IV, Salim Lamrani é professor responsável por cursos na Universidade Paris-Sorbonne-Paris IV e na Universidade Paris-Est Marne-la-Valée e jornalista, especialista nas relações entre Cuba e Estados Unidos. Seu último livro se intitula Etat de siège. Les sanctions économiques des Etats-Unis contre Cuba, Paris, Edições Estrella, 2011, com prólogo de Wayne S. Smith e prefácio de Paul Estrade. Contato: [email protected].
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