O crepúsculo da Idade do Império: de quem será este mundo?
[1]
“Podemos bombardear o mundo e desfazê-lo em pedaços, mas não podemos bombardear o mundo e construir a paz” (Michael Franti)[2]
David e Golias num mundo às avessas
O Presidente Donald Trump não parece partilhar da opinião de Georges Clémenceau de que “a guerra é um assunto demasiado sério para ser deixado nas mãos dos militares”. Esta frase talvez adquira um peso ainda maior quando cruzada com o comentário acerbo cunhado pelo mesmo estadista francês, segundo o qual “na História, milagrosamente, a América é a única nação que passou directamente da barbárie para a decadência sem percorrer a habitual etapa da civilização.”
Com efeito, pouco depois da sua tomada de posse enquanto 45º Presidente dos Estados Unidos, em Janeiro de 2017, Trump concedeu poderes acrescidos ao Pentágono e à CIA. Ao fazê-lo, cedeu à pressão militar na esperança de que este acréscimo de poder ajudasse a derrotar mais rapidamente o chamado Estado Islâmico e a enfrentar os seus outros inimigos de forma mais eficiente.
A decisão de Trump depressa se traduziu num aumento dramático de ataques teleguiados com drones levados a cabo no Yemen, no Afeganistão, no Paquistão e na Somália – países com os quais os EUA não estão oficialmente em guerra – e apenas veio exacerbar a devastadora “Guerra contra o Terror”. Segundo o grupo de controlo sem fins lucrativos Airwars[3]não é, assim, surpreendente que Trump apenas precisasse de sete meses para ultrapassar o número de mortes de civis ocorridas ao longo dos oito anos da presidência de Obama. Uma série de documentos fornecidos por um informador e publicados pelo The Intercept[4],, revelou, por sua vez,os mecanismos internos deste programa no Afeganistão, concluindo que perto de nove em cada dez ataques teleguiados com drones causaram a morte de alvos não intencionais. Heather Linebaugh, uma analista do exército americano que trabalhou no âmbito do referido programa, fez um depoimento condenatório[5]neste sentido.
Mais ainda, no dia 13 de Abril de 2017, a força aérea americana largou a bomba convencional mais potente do arsenal dos EUA, alcunhada de “A mãe de todas as bombas” (MOAB), em cima de um complexo de caves do Daesh situado na província afegã de Nangarhar, numa área remota da fronteira com o Paquistão. Enquanto o Presidente Trump se referia ao ataque como a “mais uma missão muito, muito bem sucedida”, o ex-Presidente do Afeganistão e aliado americano, Hamid Karzai, declarou que “isto não é guerra contra o terror, mas o abuso mais desumano e brutal do nosso país enquanto terra para testar armas novas e perigosas”. Em idêntica reacção contra este bombardeamento, Dennis Kucinich, que foi duas vezes candidato à presidência e é representante democrático da Câmara dos Deputados americana, perguntava: “Como é que o Presidente Trump, depois de uma campanha durante a qual questionou repetidamente as aventuras americanas no Iraque e na Líbia e até alertou o Presidente Obama para que não bombardeasse a Síria depois do uso alegado de gás venenoso por parte do governo sírio, caiu na armadilha destas guerras? Como é que Trump, depois de ter questionado os modos de agir do Pentágono e da CIA e tendo ele próprio sido vítima de fugas ao nível do governo, permitiu que fugas de informação e a desinformação nos conduzissem até ao limiar da guerra?” Kucinich alertou ainda para o facto de “os bombardeamentos estarem a aumentar nos vários países e de o número de mortes de civis inocentes continuar a crescer ampliando o ressentimento contra a América. Se não invertermos rapidamente a marcha, haverá um desencadeamento global de forças que poderá ser irremediável.”[6]
Vale a pena sublinhar que esta super bomba foi usada contra uma das milícias mais pequenas que os EUA enfrentam um pouco por todo o lado. Com efeito, estima-se que o ISIS-Khorasan conte 700 combatentes no Afeganistão contra os 8.500 elementos das tropas terrestres dos EUA e os 180.000 elementos das tropas terrestres afegãs que à data combatem no país. Anteriormente a este novo inimigo, 430.000 membros das tropas afegãs e coligadas já se tinham mostrado incapazes de subjugar o inimigo comum mais antigo, os Taliban, cuja força pouco mais representava do que um dozeavo das forças coligadas. E isto sem referir, claro, o imenso desequilíbrio existente entre os adversários em termos de poder de fogo, de tecnologia e dos respectivos comandos.
Assim, após 16 anos de presença americana no Afeganistão – o “túmulo dos impérios” -e nove meses depois de Trump ter inaugurado a presidência, o New York Timesanunciava na primeira página que “dentro em breve, os empregados da Embaixada americana em Cabul deixarão de se deslocar em helicópteros Chinook para atravessarem a estrada que conduz à base aérea situada a menos de 100 jardas fora da actual zona de segurança da Green Zone”[7], dura constatação de que se tornara demasiado difícil defender até mesmo as zonas mais protegidas da cidade, dos ataques dos Taliban.
Na realidade, existem muitos estudos sérios sobre a al-Qaeda e as suas diferentes emanações, incluindo o Daesh, que demonstram que os Estados Unidos e os seus aliados têm seguido cegamente o plano estratégico que estas organizações terroristas desenharam a nível mundial. Ficou claramente provado, sobretudo no livro atribuído a Abu Bakr Naji, intitulado “Gestão da selvajaria: o estado mais crítico pelo qual a nação islâmica deverá passar”, de que o objectivo é “atrair o Ocidente até ao pântano e deixar que se atole nele o mais profunda e activamente possível” e “enervar e envolver duradoiramente os Estados Unidos e o Ocidente numa série de empreendimentos além-mar de longa duração”, que os levam a minar as suas próprias sociedades, a despender os seus recursos e a aumentar o nível de violência. A dinâmica implementada foi amplamente revisitada num dos seus livros[8por William Roe Polk, um especialista americano muito afamado da história das revoltas no Médio Oriente. Polk revelou um padrão constantemente replicado ao longo da história recente. Os invasores são, naturalmente, rejeitados pelas populações invadidas, que lhes desobedecem, primeiro em pequena escala. A desobediência suscita uma resposta vigorosa da parte do invasor e esta, por sua vez, aumenta a oposição e o apoio popular à resistência. O ciclo de violência que se segue começa a escalar até as forças invasoras se verem obrigadas a retirar-se ou a recorrer a métodos e meios equivalentes ao genocídio, para atingirem os seus fins.
Esta dinâmica de violência extrema, em que os EUA e os seus aliados foram inteiramente apanhados, envolveu custos particularmente avultados. Scott Atran, especialista famoso em organizações terroristas, calculou que a execução “dos ataques do 11 de Setembro custaram entre $400,000 e $500,000 ao passo que a resposta militar e as operações de segurança dos EUA e dos aliados representam 10 milhões de vezes mais”. Atran chegou à conclusão evidente de que “se considerarmos exclusivamente o custo-benefício, este movimento violento teve um sucesso enorme, muito superior até àquele que inicialmente havia sido imaginado por Bin Laden, e foi sempre aumentando. Por aqui se mede o arsenal bélico assimétrico do estilo Jujitsu. No fim de contas, quem pode afirmar que hoje estamos melhor do que ontem ou que o perigo generalizado está em declínio?” Este recorde, avisa Atran, “deveria inspirar uma mudança radical ao nível das nossas contra estratégias”.
A razão pela qual a América deixou de ser grande
A postura dos Estados Unidos no mundo não é a mesma de há uns tempos atrás. A sua longa ingerência política e constantes aventuras militares no mundo árabe e muçulmano, bem como o seu suporte cego a Israel[9], em nada a favoreceram. Bem pelo contrário, esta atitude contribuiu, em boa medida, para provocar danos irremediáveis no tocante à supremacia geral dos Estados Unidos no pós-Guerra Fria.
O antigo embaixador dos EUA na Arábia Saudita, Chas W. Freeman Jr., relatava em 2014, que “em tempos, os Estados Unidos empenharam-se em reconfigurar o Médio Oriente. Consequentemente, tanto a região como a nossa posição naquela zona estão hoje em ruínas. Se quisermos ser honestos, temos de admitir que o estado deplorável do Médio Oriente não é apenas um produto das dinâmicas da região, mas que também resulta da nossa incapacidade de pensar e agir estrategicamente.”[10]Para Freeman, esta situação decorre, no essencial, do facto de os EUA terem respondido ao fim da era bipolar com um misto de negação, de incoerência estratégica e de inconstância. E “tanto os falsos pressupostos como os objectivos irrealistas dos EUA contribuíram para criar o caos actual no Médio Oriente.”
Mais recentemente[11], Chas Freeman reiterou a sua opinião ao afirmar que “estas guerras infrutíferas e contraproducentes até agora custaram aos Estados Unidos pelo menos $5.6 triliões (…). Pagámos por acompanharmos a nossa intervenção militar no mundo muçulmano com uma combinação de dinheiro emprestado e de desinvestimento nas infra-estruturas locais, físicas e humanas. Daqui não só resulta a imposição de um fardo esmagador da dívida[12]à nossa posteridadecomo também a falta de crescimento e o declínio da competitividade económica dos EUA.” Freeman lamentava ainda o facto de os americanos se terem acostumado à vida sob vigilância e ao estado de apreensão permanente no tocante a possíveis actos de terrorismo. Era previsível que as suas liberdades acabassem por sofrer com esta condição inabitual, que a presidência aumentasse o seu poder, o “Congresso viesse a reforçar instintos cobardes de manada” e a classe média americana empobrecesse “ao mesmo tempo que enriquecia o complexo militar-industrial”. Trata-se, concluía, de “modificações estruturais da república e do modo de vida americanos que afectarão ambos durante décadas”.
De acordo com Philip Alston[13], o relator especial da pobreza extrema e dos direitos humanos das Nações Unidas, “o sonho americano tem vindo a transformar-se rapidamente na ilusão americana” e “em vez de implementarem os compromissos admiráveis dos seus fundadores, os Estados Unidos de hoje têm provado serem excepcionais de um modo problemático que contrasta chocantemente com a sua imensa riqueza e o seu compromisso inicial para com os direitos humanos.” São estas algumas das principais conclusões enunciadas por Ph. Alston em Dezembro de 2017, após uma missão de averiguação de duas semanas nos EUA. O seu relatório final estará disponível na Primavera de 2018 e será apresentado no Conselho dos Direitos Humanos em Genebra, em Junho de 2018.
A América de hoje é de facto uma pálida imagem do modelo de república constitucional com que os pais fundadores sonharam e que implementaram. A 4 de Julho de 1900, dia aniversário da adopção da Declaração de Independência, os representantes do partido democrático dos Estados Unidos reuniram-se em convenção nacional. Criaram uma plataforma[14]através da qual reafirmavam a sua fé na “proclamação imortal dos direitos humanos inalienáveis” e o seu “compromisso para com a Constituição, em harmonia com os pais da República”. Entre vários princípios reiteraram: “Declaramos mais uma vez que os poderes de todos os governos instituídos entre os homens assentam no consentimento dos governados” e “impor a um povo um governo à força, significa substituir métodos republicanos por métodos imperialistas”. “Somos a favor da extensão da influência da república junto de outras nações, mas acreditamos que essa influência não deveria ser exercida através da força e da violência, mas através do poder de persuasão de um exemplo mais nobre e honroso”. “Opomo-nos ao militarismo. Este significa conquista além-fronteiras e intimidação e opressão intra-fronteiras. Significa o braço forte que sempre foi fatal às instituições livres. Foi dele que fugiram milhões de cidadãos na Europa. Ele imporá aos nossos povos amantes da paz um exército armado permanente, impostos que representam um fardo desnecessário e constituirá uma ameaça constante para as suas liberdades.” E “garantimos que nenhuma nação consegue suportar um sistema meio republicano e meio imperialista. Alertamos o povo americano para o facto de que o imperialismo além-fronteiras rapidamente e inevitavelmente conduzirá ao despotismo intra-fronteiras.” Quem, no mundo e na própria América, acreditaria numa reafirmação desta natureza, mesmo que hoje fosse proclamada pelo Presidente Trump, baseada em metade do povo americano?
Ninguém explicou tão este estado de coisas de forma tão elegante quanto a personagem fictícia da série de televisão HBO chamada “The Newsroom”. Na sequência de abertura aparece um pivô, que participa num painel sobre jornalismo. Quando um estudante lhe pergunta “Pode dizer porque motivo a América é o maior país do mundo?”, o pivô dispara dizendo que “A América não é o maior país do mundo” e inicia um discurso em que explica porque não o é. Indica ao estudante que “caso um dia participe acidentalmente num escrutínio, há certas coisas que deveria saber. Uma delas é: não existem absolutamente provas nenhumas que confirmem que somos o maior país do mundo. Ocupamos o 7º lugar em literacia, o 27º em matemática, o 22º em ciência, o 49º em esperança de vida, o 178º em mortalidade infantil, o 3º em rendimento médio do agregado familiar, o 4º em força de trabalho e o 4º em exportações. Apenas somos líderes mundiais em 3 categorias: no número de cidadãos encarcerados per capita; no número de adultos que acreditam que os anjos são reais; e nos custos de defesa, onde despendemos mais do que os 26 países seguintes todos juntos e dos quais 25 são aliados. Ora, nada disto é culpa de um jovem estudante de 20 anos, embora o senhor pertença, sem sombra de dúvida, a uma das piores gerações de todos os tempos.”
Depois de uma pausa, o pivô acrescenta “Já fomos (o maior país do mundo). Defendemos aquilo que estava certo. Combatemos por razões de ordem moral. Promulgámos leis, anulámos leis, por motivos de ordem moral. Travámos guerras contra a pobreza, não contra os pobres. Sacrificámo(-nos), preocupámo-nos com os vizinhos, cumprimos aquilo que defendíamos e nunca nos vangloriámos disso. Construímos coisas grandes, importantes, conseguimos avanços tecnológicos impensáveis, explorámos o universo, curámos doenças, acarinhámos os maiores artistas a nível mundial e criámos a maior economia do mundo. Chegámos às estrelas, actuámos como homens. Aspirámos à inteligência, não a menosprezámos. Ela não fez sentirmo-nos inferiores. Não nos identificámos com quem elegemos nas últimas eleições e não nos deixámos assustar facilmente. Fomos capazes de ser todas estas coisas e de as fazer porque éramos pessoas informadas… por grandes homens, que eram venerados. O primeiro passo para a resolução de um problema é reconhecer que o mesmo existe. A América já não é o maior país do mundo.”.[15]
Tanto não o é que o inquérito WIN/Gallup International levado a cabo em 65 países apurou que, para as 66.000 pessoas inquiridas, “os EUA representam a maior ameaça para a paz no mundo”.[16]
O Pentágono responde à velha questão “Estará a América em declínio?
Desde que Ibn Khaldun, o grande historiógrafo e historiador[17]– precursor das disciplinas modernas da historiografia, da sociologia, das ciências económicas e da demografia – criou as bases para este tipo de estudos, a questão do triunfo e da queda de civilizações, impérios e nações tornou-se o tema favorito dos historiadores, passados e contemporâneos. As nações passaram a ter ciclos de vida como os humanos, evoluindo da juventude para a maturidade e da velhice para a morte. Não houve, até à data, nenhuma excepção à regra.
O Secretário de Estado dos EUA, Dean Gooderham Acheson, era conhecido por ter desempenhado um papel fulcral ao redigir a doutrina de Truman, cujo objectivo declarado era contrariar a expansão geopolítica soviética durante a Guerra Fria. Esta doutrina tornou-se depois o fundamento da política externa dos EUA e conduziu, em 4 de Abril de 1949, à criação da OTAN, uma aliança militar de 29 estados, que se mantém activa até hoje. Acheson também é conhecido por ter dito em 1962, que “A Grã Bretanha perdeu um Império e ainda não encontrou outro papel para desempenhar”.
Talvez se possa, hoje, dizer o mesmo dos Estados Unidos, à luz da política externa incoerente, senão caótica, da administração Trump. Paradoxalmente, o uso do slogan “Make America great again” durante a campanha para as eleições presidenciais de 2016 reforça este propósito, uma vez que a frase – regularmente utilizada, tanto por políticos republicanos como democratas, depois de ter sido inicialmente cunhada por Ronald Reagan em 1980 – é uma prima afastada do slogan “Make Britain great again”, utilizado pelo político conservador britânico Disraeli, no século XIX. Claramente, tanto a versão britânica como o seu equivalente contemporâneo americano referem-se à noção de uma “grandeza” perdida ou por recuperar.
De acordo com The American Conservative[18], desde início de 2000 tem havido um diálogo permanente entre académicos, decisores políticos e membros do meio mais abrangente dos negócios estrangeiros americano, no sentido de perceber se o poder americano está em declínio. Na realidade, porém, a questão remonta aos anos 1980, com a edição do livro do historiador da Universidade de Yale, Paul Kennedy, intitulado The Rise and Fall of the Great Powers,e a publicação de outros livros importantes sobre o mesmo tema, da autoria dos académicos David Calleo e Robert Gilpin. Muito embora a controvérsia em torno do declínio se dissipasse quando a União Soviética implodiu e a bolha económica do Japão rebentou, ela “manteve-se dormente durante o ‘momento unipolar’ da década de 1990, tornando a reacender com a rápida emergência da China enquanto grande potência, no início de 2000”, e a consequente deslocação do poder geopolítico e económico do Ocidente para o Oriente.
Contudo, se atendermos ao historiador francês Pierre Melandri[19], o declínio começou muito antes da publicação do livro de Paul Kennedy, que granjeou um imenso sucesso em 1987, ano em que, pela primeira vez desde 1917, os EUA perderam o estatuto de maior nação credora do mundo. Melandri escreve que o Primeiro ministro japonês já havia diagnosticado o processo de declínio em 1973, comentando que “os Estados Unidos deixaram de ser o Sol rodeado por planetas para passarem a ser apenas um planeta entre outros”.
Em 2002, Andrew J. Bacevich concluiu o seu livro[20], escrito após o 11 de Setembro, com uma observação fundamental. O autor assinalava que a questão que exigia uma atenção imediata e à qual os americanos não podiam continuar a furtar-se, não era saber se os Estados Unidos se tinham tornado um poder imperial, mas que tipo de império pretendiam ser. Porque o facto de os actores políticos persistirem em ocultar esta questão, ou seja “entregarem-se ao mito da inocência americana ou a fantasias quanto ao desbloqueamento dos segredos da história” aumenta a possibilidade de receberem respostas erradas. Assim sendo, “não só se coloca a questão do desaparecimento do império americano, mas também a do grande perigo que paira por cima daquilo que é conhecido como sendo a república americana”.
Em 2011, a blogger chamada Danios[21]inscreveu, ano a ano, as guerras americanas numa linha do tempo revelando assim que, desde a sua fundação, em 1776, os Estados Unidos estiveram em guerra durante 214 dos seus 235 anos de existência. Por outras palavras, só durante 21 anos civis é que os Estados Unidos não estiveram em guerra e o período isolacionista da Grande Depressão foi o único em que o país esteve cinco anos sem guerra (1935-1940)!
À parte a blogoesfera, um editorial do New York Times[22]afirmava que os Estados Unidos estão continuamente em guerra desde o 11 de Setembro e que neste momento têm 240.000 tropas no activo e na reserva, em pelos menos 172 países e territórios. O editorial terminava dizendo que “senadores relutantes em pagar despesas de saúde e de missões diplomáticas básicas do Departamento de Estado tinham aprovado um orçamento da defesa de 700 bilhões de $, para 2017-2018, um valor muito superior ao montante pedido por Trump. Não é certo esta largueza manter-se. Mas aquilo que, na realidade, importa saber é quantas aventuras militares mais o público americano está disposto a tolerar.”
Dentro da mesma veia, Richard N. Haas, presidente do Conselho das Relações Externas – frequentemente descrito como sendo o think tank mais influente dos Estados Unidos em matéria de negócios estrangeiros – argumenta no seu livro mais vendido[23], que as regras, as políticas e as instituições que prevaleceram e dirigiram o mundo desde a Segunda Guerra Mundial se esgotaram no quadro de um mundo “desorientado” que os Estados Unidos não conseguem moldar à sua imagem e aos seus interesses. Haas pensa que os EUA continuam a ser o maior país neste mundo, mas que a sua política externa por vezes o tornou pior – tanto por aquilo que a América fez como por aquilo que não conseguiu fazer.
O mesmo conselho ou antes, alerta, foi dado por Robert Kagan, uma das vozes conservadoras americanas mais poderosas. Num artigo publicado na Brookings[24], afirmou que “a ordem do mundo liberal estabelecida após a Segunda Guerra Mundial poderá estar a chegar ao fim, sendo disputada por outras forças, tanto no interior como no exterior”. Concluiu escrevendo que “se o próximo presidente seguir uma via destinada a preservar apenas os estritos interesses da América; se se focalizar essencialmente no terrorismo internacional – o último desafio para a ordem mundial actual (…) – então poderá não estar muito longe o colapso da ordem mundial, com todas as suas implicações”.
Muito significativamente, em Junho de 2017 foi publicado um estudo do Pentágono[25], que fez correr rios de tinta, tanto nos EUA como além-Oceano. Vale a pensa realçar que a encomenda e a preparação deste relatório datam de Junho de 2016 ou seja, seis meses antes do fim da administração Obama, e que o mesmo foi completado em Abril de 2017 ou seja, após quatro meses de administração Trump. No seu âmbito, foram feitas consultas alargadas a vários representantes do Pentágono e a um punhado de think-tanks americanos de tendência mais neoconservadora.
Entre as conclusões mais surpreendentes figura a constatação de que “o statuo quoacalentado e alimentado por estrategas americanos após a Segunda Guerra Mundial e que durante décadas constituiu a ‘batida’ principal do Departamento de Defesa, não só fracassou como está, na verdade, a colapsar. Consequentemente, tanto o papel dos Estados Unidos no mundo como a sua percepção do mesmo também poderão estar a mudar de forma substancial.” Aos olhos da “incontestada liderança americana, a restruturação volátil da segurança internacional aparece cada vez mais como insustentável”. Outra conclusão importante é que os autores do relatório concordam com a declaração da Primeira ministra britânica Theresa May proferida durante o seu discurso em Filadélfia[26], seis dias após a tomada de posse de Donald Trump: “Acabaram-se os dias em que a Grã Bretanha e a América intervinham em países soberanos na esperança de moldarem o mundo à sua própria imagem (…), (doravante) a Grã Bretanha apenas intervirá onde estiverem em jogo os interesses nacionais britânicos”.
Este relatório extraordinário parece soar a toque de finados das duvidosas “coligações dos empenhados” dirigidas pelos EUA e conduzir-nos para uma era irreversível de pós-império.
Depois do império: a caminho de uma grande estratégia colectiva de “Grande Convergência”?
Se formos realistas, é impossível negar os factos, os porquês e as razões que orientam o nosso mundo em transformação acelerada. Já não existem antigos e novos impérios globais, erguem-se nações jovens e os cidadãos comuns cada vez obtêm mais poder.
Mas como se forjou esta realidade sem precedentes? Por que motivos se torna cada vez mais difícil para estados outrora poderosos, instituições, corporações, grupos de interesses, partidos e dirigentes políticos, defender os seus redutos ou impor as suas agendas? E se o mundo actual se afasta, de facto, inexoravelmente da tutela da única super potência – a América – e que nenhuma outra super potência deseja ou se mostra capaz de o dirigir, então que mundo é este? E, acima de tudo, de que modo pode esta “aldeia global” sui generisatender-lhe e gerir não só ameaças e mudanças transnacionais nascentes, mas também as novas oportunidades? Joseph Nye escreveu uma análise abrangente[27]sobre o poder e o seu exercício no decurso dos últimos quinhentos anos. Realçou que, até à data, os tradicionais marcadores do poder estavam conotados com o eixo conquistado por grandes impérios e nações, essencialmente graças a factores como o controlo das colónias, do comércio, da finança e de vastas populações, a primazia na Revolução Industrial, o domínio das rotas de navegação, de armas nucleares e convencionais, e o número de homens armados. Mas, escreve Nye, a idade da informação global do século XXI está a tornar estes parâmetros rapidamente obsoletos e a redesenhar o mapa das relações de poder. Verificam-se principalmente duas deslocações do poder: uma transição do poder entre estados e uma difusão do poder entre actores não estatais. Nye concluiu o seu estudo afirmando que os Estados Unidos precisarão de uma estratégia para lidar com a “ascensão do resto” – tanto entre estados como entre actores não estatais. Para tal, vão necessitar de “uma estratégia de poder inteligente e de uma narrativa que destaque alianças, instituições e redes que respondam ao novo contexto da era da informação global. Em poucas palavras, para terem sucesso no século XXI, os Estados Unidos precisam de descobrir como ser um poder inteligente”.
Examinando mais profundamente as mudanças da natureza do poder neste século, Moisés Naím[28]observa que o poder está a perder valor desde que “começou a ser mais fácil obtê-lo, mais difícil utilizá-lo e mais fácil perdê-lo.” Hoje já não se compra tanta coisa com o poder como no passado e as batalhas para a sua obtenção compensam cada vez menos. Daqui resulta que o poder se está a espalhar e que os grandes actores há muito estabelecidos tendem a perder cada vez mais terreno a favor de poderes novos e mais pequenos. O poder está a passar “da força bruta para o cérebro, de norte para sul e do ocidente para oriente, de antigos mastodontes corporativos para start-ups ágeis, de ditadores entrincheirados para as pessoas nas praças das cidades e no ciberespaço”. Na realidade, insiste Naím, o poder está a decair. Um dos argumentos mais convincentes que o autor apresenta para demonstrar o quanto o exercício do poder se transformou, prende-se com os conflitos armados. Adaptando uma frase de Churchill, Naím escreve que “nunca no campo do conflito humano houve a possibilidade de fazer tanto contra tantos e a um custo tão baixo”. Contudo, os “micropoderes, embora raramente vençam, tornam a vida mais difícil aos grandes jogadores” negando-lhes a “vitória” na maior parte dos conflitos assimétricos, também conhecidos por guerras da quarta geração.
Pelo seu lado, desafiando a visão partilhada pela maior parte dos estrategas ocidentais – que reconhecem que o domínio do Ocidente tem vindo a diminuir, mas continuam confiantes de que as suas ideias fundadoras como a democracia, o capitalismo e o nacionalismo secular continuarão a expandir-se garantindo que a ordem ocidental prevaleça – Charles Kupchan[29]argumenta que o mundo está preparado para a diversidade política e ideológica. Assim, os poderes emergentes “não esperarão pela liderança ocidental nem convergirão para o modo ocidental”. Kupchan sustém que “a ascensão do Ocidente foi o produto de condições sociais e económicas específicas da Europa e dos Estados Unidos”. Explica também que à medida que nascem outras nações, estas “seguem o seu próprio caminho para a modernidade e abraçam as suas próprias concepções quanto à ordem interna e internacional”. O autor termina concluindo que a ordem ocidental não será substituída por um novo grande poder ou por outro modelo político dominante, e que o século XXI não pertencerá à América, à China, à Ásia, nem a nenhum outro país. Ele será o “mundo de ninguém (e), pela primeira vez na História, existirá um mundo interdependente sem centro de gravidade ou guardião global”. Esta situação exigirá uma estratégia para desenhar um acordo histórico entre o Ocidente e o resto emergente “criando novos consensos em matérias como a legitimidade, a soberania e a governança”.
A perspectiva de Kupchan é amplamente partilhada por Kishore Mahbubani, um escritor singapuriano muito respeitado, professor e diplomata. Num dos seus livros[30]afirma que estamos a tornar-nos mais integrados e interconectados e que “o potencial para uma nova civilização global pacífica tem vindo a desenvolver-se debaixo dos nossos olhos sem nos apercebermos disso”. Porém, os desafios mantêm-se e está por resolver um certo número de falhas geopolíticas importantes. Para a sua materialização, Mahbubani é da opinião de que: os políticos devem, ao nível mundial, modificar os seus preconceitos e aceitar que vivemos num só mundo; os interesses nacionais devem ser contrabalançados com os interesses globais; os EUA e a Europa devem ceder algum poder (incluindo no seio do FMI, do Banco Mundial e no Conselho de Segurança das Nações Unidas); a China e a Índia, a África e o mundo islâmico devem ser integrados; e a ordem mundial precisa de ser reconstruída. Para estes e muitos outros autores e comentadores eminentes, a “comunidade internacional” não tem alternativa melhor e mais sábia senão embarcar numa viagem de salvação do “império à comunidade”. Amitai Etzioni[31]advogava ao argumentar que um “choque de civilizações” pode ser evitado e que a nova ordem mundial não precisa de se parecer com a América. Porque, sustenta, “os valores orientais, incluindo a espiritualidade e o Islão moderado, têm um lugar legítimo na filosofia pública global em evolução”.
Ao abordar esta questão numa palestra[32], o Professor Edward Saïd observava que “a parte verdadeiramente mais fraca da tese do choque de culturas e de civilizações é a separação rígida assumida entre elas, contra a evidência avassaladora de que o mundo de hoje é, de facto, um mundo de misturas, de migrações e de cruzamentos, de fronteiras atravessadas. Uma das maiores crises que afectam países como a França, a Grã Bretanha e os EUA deriva da tomada de consciência, que se vem verificando por todo o lado, de que nenhuma cultura ou sociedade é apenas uma coisa. Minorias consideráveis, africanos do Norte em França, afro-caribenhos e populações oriundas da Índia na Grã Bretanha, elementos asiáticos e africanos neste país (isto é, na América), contestam a ideia da persistência de uma civilização que se orgulhava de ser homogénea. Não existem culturas nem civilizações isoladas. Qualquer tentativa feita no sentido de as separar em compartimentos estanques, na perspectiva de Huntington e dos seus congéneres, atenta à sua variedade, diversidade, complexidade de elementos, hibridez radical. Quanto mais insistirmos na separação das culturas, mais imprecisos nos tornamos em relação a nós próprios e aos outros. A noção de uma civilização excludente é, na minha maneira de pensar, uma civilização impossível.”
O professor Saïd depois colocou aquela que considera ser uma “verdadeira questão”: “quer trabalhemos em prol de civilizações separadas, quer trabalhemos no sentido de uma via mais integrativa, e talvez mais difícil, tentando encarar as diferentes civilizações como um todo, nenhum de nós conseguirá compreender os seus contornos exactos, mas podemos intuir, sentir, estudar a sua existência”. Concluiu a sua palestra citando algumas linhas do grande poeta, autor e político da Martinica, Aimé Césaire: “ o trabalho do homem apenas começou restando vencer toda a violência enraizada nas pregas da nossa paixão, nenhuma raça possui o monopólio da beleza, da inteligência, da força e há espaço para todos no momento do nosso encontro com a vitória”.
Amir Nour
Notas
- Investigador argelino, em relações internacionais, autor do livro “L’Orient et l’Occident à l’heure d’un nouveau Sykes-Picot” (“The Orient and the Occident in time of a new Sykes-Picot”), Edições Alem El Afkar, Argel, 2014: pode ser descarregado gratuitamente em: http://algerienetwork.com/blog/lorient-et-loccident-a-lheure-dun-nouveau-sykes-picot-par-amir-nour/(French)
http://algerienetwork.com/blog/العالم-العربي-على-موعد-مع-سايكس-بيكو-ج/ (Arabic) - Canção de Michael Franti & Spearhead, “Bomb the World”: http://youtu.be/ICL-40nkOPA
- Ler o artigo de Newsweek: http://www.newsweek.com/trump-has-already-killed-more-civilians-obama-us-fight-against-isis-653564
- Ler The Intercept, “The Drone Papers”: http://theintercept.com/drone-papers/
- Heather Linebaugh, “I worked on the US drone program. The public should know what really goes on”, The Guardian, 29 Dez. 2013: https://www.theguardian.com/commentisfree/2013/dec/29/drones-us-military
- Ler o artigo de opinião intitulado “Dennis Kucinich: The ‘Mother of All Bombs’ is actually the mother of all warmongering”, Fox News, 14 Abril, 2017.
- Rod Nordland, “S. Expands Kabul Security Zone, Digging In For Next Decade”, The NYT, 16 Set., 2017.
- William R. Polk, “Violent politics: A history of Insurgency, Terrorism, and Guerilla War, From the American Revolution to Iraq”, Harper Perennial, 2008.
- Além de um voto da Assembleia Geral das Nações Unidas (128 a favor, 9 contra, 35 abstenções), que considerou “nula e sem efeito” a declaração deDonald Trumprelativa a Jerusalém como capital de Israel (ler o artigo no The Guardianhttps://www.theguardian.com/world/2017/dec/21/united-nations-un-vote-donald-trump-jerusalem-israel), um inquérito de opinião da Gallup International Association (GIA) , realizado em Dezembro de 2017 em 24 países, revelou o desacordo generalizado no tocante à decisão do presidente dos EUA: mais de dois terços (71%) discordam do objectivo (59% firmemente). Comentando o inquérito, o presidente do GIA, Kancho Stoychev, declarou: “É raro um inquérito registar uma tal unanimidade relativamente a um único tema, o que revela uma dor profunda no seio do mundo muçulmano, do Médio Oriente à Ásia. Porém, a reacção geral à decisão de Trump também é maioritariamente negativa na Europa. Parece que se evaporaram décadas de confiança no papel equilibrador da diplomacia dos EUA.”
- Ver “Obama’s Foreign Policy and the Future of the Middle East”, 21 Julho 2014.
- Chas W. Freeman, “The Middle East in the New World Disorder”, 11 Dezembro, 2017.
- A partir de Novembro de 2017, a dívida pública americana rondava os $20.59 triliões. Os EUA ocupam o primeiro lugar nesta classificação.
- Ler http://www.ohchr.org/EN/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=22546&LangID=E
- Ler a platforma: http://www.presidency.uscb.edu/edu/ws/?pid=29587.Home
- Ver o video intitulado “A Great Speech About Why America Isn’t Great Anymore”: https://www.youtube.com/watch?feature=share&v=q49NOyJ8fNA&app=desktop
- Ler no New York Post, 5 Janeiro 2014.
- O autor britânico Arnold J. Toynbeedisse da obra de Ibn Khaldun “Muqaddimah” ou “Prolegomena” (Introdução)— que abrange a história mundial da humanidade até aos dias do autor e levanta a questão das razões que fazem com que nações ascendam ao poder e daquelas que causam a sua queda —: “uma filosofia da história que, até à data, é indubitavelmente a maior obra desta natureza alguma vez criada por uma mente em qualquer momento e num qualquer lugar.” [Fonte: Encyclopædia Britannica, 15ª ed., vol. 9, p. 148].
- Christopher Layne, “Is the United States in Decline?”, The American Conservative, Agosto 8, 2017.
- Pierre Melandri, “La fin de l’empire américain ? ” (The end of the American Empire?), in “La fin des empires” (The end of Empires), Patrice Guenniffey & Thierry Lentz (dir.), Le Figaro Histoire/Perrin, Paris, 2016.
- Andrew J. Bacevich, “American Empire: The Realities and the Consequences of U.S. Diplomacy”, Harvard University Press, 2002.
- Ver “America Has Been At War 93% of the Time”: http://www.washingtonsblog.com/2015/02/america-war-93-time-222-239-years-since-1776.html
- Ler “America’s Forever Wars”, The New York Times, Outubro 22, 2017.
- Richard Haas, “A World in Disarray: American Foreign Policy and the Crisis of the Old Order”, Penguin Press, 2017. Ver: https://www.cfr.org/book/world-disarray
- Robert Kagan, “The Twilight of the Liberal World Order”, Brookings, Janeiro 24, 2017.
- Ler “At Our Own Peril : DoD Risk Assessment in a Post-Primacy World”: https://ssi.armywarcollege.edu/pubs/display.cfm?pubID=1358
- Ler a transcrição official da palestra em: https://www.gov.uk/government/speeches/prime-ministers-speech-to-the-republican-party-conference-2017, 26 January, 2017.
- Joseph S. Nye, “The Future of Power”, PublicAffairs, New York, 2011.
- Moisés Naím , “The End of Power”, Basic Books, New York, 2013.
- Charles A. Kupchan, “No One’s World: The West, the Rising Rest and the Coming Global Turn”, Oxford University Books, 2012.
- Kishore Mahbubani, “The Great Convergence: Asia, the West, and the Logic of One World”, PublicAffairs, 2013.
- Amitai Etzioni, “From Empire to Community”, Pelgrave Macmillan, 2004.
- Edward Said, “ The Myth of ‘The Clash of Civilizations’”, Media Education Foundation, 1999; Ler a transcrição: http://www.mediaed.org/transcripts/Edward-Said-The-Myth-of-Clash-Civilizations-Transcript.pdf
[1]Algerian researcher in international relations, author of the book “L’Orient et l’Occident à l’heure d’un nouveau Sykes-Picot”(“The Orient and the Occident in time of a new Sykes-Picot”), Editions Alem El Afkar, Algiers, 2014: downloadable free of charge, by clicking on the following links:
http://algerienetwork.com/blog/lorient-et-loccident-a-lheure-dun-nouveau-sykes-picot-par-amir-nour/ (French)
http://algerienetwork.com/blog/العالم-العربي-على-موعد-مع-سايكس-بيكو-ج/(Arabic)