ELEIÇÕES NOS EUA. Quem Venceu e Quem Perdeu na Melhor Democracia que o Dinheiro Pode Comprar
Aposto que meus números [de votação] seriam fantásticos”, Donald J. Trump, outubro de 2015
O mesmo mercado financeiro que aumentou nos últimos meses “doações” aos meios de comunicação e à própria “campanha” de Clinton estão alarmados. Os mesmos meios que ressoavam “pesquisas eleitorais” apontando a ex-secretária de Estado do atual presidente Barack Obama como vencedora com folga durante toda a “campanha presidencial”, diziam-se surpresos por vitórias já consolidadas, e previsões de mais vitórias do candidato republicano especialmente nos chamados battleground states, ou estados de batalha campal (aqueles que são historicamente decisivos pelo tamanho do Colégio Eleitoral).
E para fechar com chave de ouro essa pobre “festa da democracia”, pastelão versão estadunidense, Hillary Clinton recusou-se a seguir a tradição, e fazer discurso pós-apuração independente do resultado; saiu pela porta dos fundos diante de uma mídia predominante que se dizia abertamente “chocada” com a vitória do republicano.
Se já não bastassem a profunda ausência de propostas concretas e a baixaria pessoal que marcou (na realidade, acentuou-se) nesta nesta “campanha”, as “pesquisas” acabaram também se mostrando rendidas ás leis do mercado na República de Bananas, que se autodenomina “berço da democracia global”. Acrescente-se também: se não bastassem as evidências históricas de que o próprio sistema eleitoral, nas últimas décadas computadorizado, é tão vendável quanto a melhor democracia que o dinheiro pode comprar em pleno Império dos aloprados.
“Trump surpreendeu o mundo!”, tem sido as manchetes. Pois quem questiona a “democracia” e o “avanço”, humano e tecnológico do moribundo Tio Sam, precárias lendas cada vez mais difíceis de serem sustentadas, evidenciadas em mais este grotesco “equivoco” das “pesquisas eleitorais”?
A gravidade da crise política norte-americana, que se atreve a enviar observadores a eleições ao redor do mundo, vai muito além do sexo oral de Monica Lewinsky ao esposo da presidenciável democrata derrotada neste dia 8 de novembro em plena Casa Branca (em hora de serviço), ou das afirmações de Trump que, a contragosto das mulheres (ainda que ilustres desconhecidas), as cumprimenta com um “toque” em suas partes mais íntimas.
A maioria dos próprios norte-americanos se diz avessa a ambos os candidatos, votando em um ou outro muito mais por apatia ao adversário. Quem é o menos nocivo no Império em decadência? Pois é.
Trump traz a seu favor disposição ao dialogo com a historicamente temida Rússia, ao invés de confronto como pretendia a rival e contrariando o terror psicológico provocado pela mídia de imbecilização das massas globais na tentativa de demonizar o presidente russo Vladimir Putin, através das velhas manipulações de sempre que ainda insistem em embaralhar a consciência dos mais desavisados.
Ao menos retoricamente, Trump também promete diminuir gastos militares do Império mais belicista e genocida da história, que retira dos investimentos sociais tais como moradia, saúde e educação para espalhar bases militares e despejar armas aos seus fantoches mundo afora, além de revisão da utilização norte-americana da OTAN a fim de intervir e guerrear internacionalmente. Tudo isso – ao menos retoricamente e o futuro aguarda confirmar ou desmentir o imprevisível magnata – em contraposição à “democrata” dos Estados Unidos da América, quem liderou a invasão à Líbia, apoiou aumento dos confrontos na Síria e, na década de 2000 como senadora, votou a favor da invasão ao Iraque, que, criminosa, sanguinária e apoderadora dos recursos naturais e das empresas locais, contrariou decisão da ONU e de todas as evidências de que Saddam Hussein não possuía bombas de destruição em massa, e que nada o ligava à Al-Qaeda como afirmavam os esquizofrênicos xerifes do planeta, tomadores de decisão de Washington.
Por outro lado, certamente venceram o racismo e do preconceito indiscriminado – evidenciado no combate à imigração (cuja histeria garante construção de grande muro separando os EUA do México, aos muçulmanos na promessa de proibir entrada dos religiosos ao País e ainda aumentar a vigilância e mesmo expulsar os que já habitam entre fronteiras norte-americanas) e ao próprio sexo feminino -, venceu a violência interna através do próprio racismo contra negros, latinos e ativistas por direitos humanos cujo apoio ao uso da repressão amentará a dose de Estado policialesco que impera no Império dos “mais ingênuos” (para dizer o mínimo).
Tal conteúdo de péssimo gosto, que retrata o ódio e a histeria levados à últimas consequência na América “livre e próspera”, também contraria o de Clinton – sobre esta, tampouco se sabe o quanto foi sincera dado o contexto de suas “ideias” e as próprias mudanças oportunistas em seus discursos, uma infinidade de contradições, certamente, a fim de ganhar maior eleitorado.
Trump também aposta na diminuição do Estado: promete desfazer o Obamacare (programas de saúde acessíveis às classes menos favorecidas); Estado que a adversária, contrariando seu próprio discurso histórico e os interesses de seus principais doadores milionários de campanha como Wall Street, colocava na agenda fortalecer. O que é “curioso”, para não dizer mesmo mais uma entre as calamitosas contradições desta “campanha”, é o fato que Trump promete atingir os mesquinhos e corruptos interesses das grandes corporações, por exemplo taxando grandes fortunas.
No caso do fortalecimento da indústria bélica que leva a “política” exterior (para se utilizar dos eufemismos midiáticos para crimes internacionais) coercitivo-expansionista norte-americana, há fortes motivos para desconfiar do novo ocupante da Casa Branca: tudo isso também contraria o contexto de seu discurso e de sua personalidade.
Uma coisa parece certa: longe de ser psicopata decidido, frio e calculista como a adversária, abertamente belicista, o tão fanfarrão quanto ambíguo, completamente imprevisível Trump parece ser o homem perfeito para pavimentar o caminho rumo ao declínio ainda maior da hegemonia global dos Estados Unidos – má notícia à classes dominantes locais e as elites-fantoches internacionais, comedoras de migalhas de Tio Sam.
O menos catastrófico venceu, ao menos pela imprevisibilidade de sua agenda em comparação à bem conhecida da opositora. Neste ponto, por ira venceu especialmente considerando as sociedades globais que têm sofrido histórico boicote às democracias locais como o próprio Brasil. E menos catastrófico para os próprios norte-americanos, se considerados aqueles que acreditam que o mundo não precisa da imposição da força em nome da defesa de interesses dos Estados Unidos, como dizia a própria Hillary Clinton: “Sem nós, o mundo não pode fazer nada!”.
Por isso tudo, o mais catastrófico para a tentativa de salvação da hegemonia global dos Estados Unidos pode também ter vencido neste dia 8 de novembro. Wall Street e seus patéticos porta-vozes da grande mídia de desinformação sabem bem disso. Mas qualquer dos dois seria, em geral, grande golpe à democracia local que precisaria, desesperadamente, desfazer-se do Estado policialesco, da intolerância e do ódio.
Eis o grande momento para a afirmação do mundo multipolar, lamentavelmente sobre a acentuação da desgraça democrática e na falência moral e intelectual norte-americana, subprodutos de um sistema excludente por natureza que se julga capaz de tudo comprar e corromper.