Drones “Matam Mulheres, Crianças, Matam Todo Mundo”

Entrevista con Peter Kuznick

Desde que chegou à Casa Branca, o presidente Donald Trump tem aumentado dramaticamente a guerra secreta de drones, matando civis mais que nunca no Iraque, Paquistão, Iêmen, Afeganistão, na Somália, Síria, Líbia. Em junho, quando completou cinco meses na Casa Branca,Trump apresentou média de ataques a cada 1,8 dia, muito superior a de seus antecessores Barack Obama e George Bush.

De acordo com Bureau of Investigative Journalism (BIJ), cujos números são altamente conservadores porém os mais confiáveis, 1600 ataques com drones dos EUA foram registrados no Afeganistão de janeiro a junho deste ano matando 366-575 pessoas, pelo menos 18 civis. “Mais ataques dos EUA atingiram o Afeganistão nos primeiros seis meses do ano, que em 2015 e 2016 somados”, informou o BIJ no início de julho.

No Iêmen, em um total de pelo menos 90 ataques foram mortas de 81 a 120 pessoas, dentre as quais entre 33 a 40 eram civis incluindo nove crianças, de janeiro a junho de 2017. De 2001 a 2016, foram confirmados 254-276 ataques com drones no país, que mataram 890-1228 pessoas, das quais ao menos 166-210 eram civis.

Em 16 de março deste ano, no povoado de al-Jina na Síria houve mais um ataque emblemático dos “pássaros assassinos” de Tio Sam pela agressividade seguida de cinismo, quando ao menos 38 civis foram mortos em uma mesquita, entre eles ao menos cinco crianças vítimas de dois bombardeios seguidos por drone – a chamada “torneira dupla”, cujo veículo disparou pela segunda vez quando sobreviventes tentavam sair dos escombros. O Pentágono, que jamais fizera investigação pessoal na região do ataque para reconhecimento limitando-se às vigilâncias remotamente controladas, negou que uma mesquita foi alvo de bombardeio contrariando relatos, fotos e vídeos autenticados por organismos sírios independentes, e pela Human Rights Watch.

Historiador norte-americano Peter Kuznick mostra-se profundamente preocupado com o acirramento da “política” de drones de Trump. “Por mais odioso que fosse o método da guerra com drones de Obama, ele se configura uma voz moderada em comparação a Trump”, comenta o doutor Kuznick, diretor do Instituto de Estudos Nucleares da Universidade Americana em Washington D.C.

“Os Estados Unidos encontraram uma solução para o problema do” dano colateral “, observa o pesquisador. Para ele, em vez de usar drones para o benefício da humanidade e do meio ambiente, o programa dos EUA é “enormemente negativo”, já que
Washington transforma os veículos aéreos não-tripulados em “máquinas de matar”. O professor doutor Kuznick ressalta que o assunto não é “uma escolha entre drones, bombardeiros tripulados e tropas terrestres”, mas “uma escolha entre a guerra e a diplomacia”

Edu Montesanti: Quando o governo Obama discutiu publicamente os ataques com drones, ofereceu garantias de que tais operações seriam uma alternativa mais precisa às tropas terrestres, e que seriam autorizadas somente quando uma ameaça “iminente “estivesse em questão com existência de “quase certeza”de que o alvo pretendido seria eliminado. Professor Peter Kuznick, como o senhor vê essa “política” em si, de substituir as tropas por drones – no caso da administração de Obama, utilizando-os muito mais do que seu antecessor, o governo Bush? E o quanto são precisos os drones?

Professor doutor Peter Kuznick: Oponho-me intensamente ao uso generalizado de drones, especialmente fora das zonas de guerra declaradas. Não vejo isso como uma escolha entre drones, bombardeiros tripulados e tropas terrestres, mas como uma escolha entre a guerra e a diplomacia.

Há, certamente, situações em que a diplomacia não funciona, mas os Estados Unidos têm sido muito rápidos em recorrer a meios militares para resolver todas as controvérsias e problemas. Tomemos o caso da invasão dos Estados Unidos ao Afeganistão, por exemplo; sim, o governo Taliban no Afeganistão abrigou a Al Qaeda quando planejava o ataque do 11 de Setembro, e o governo Taliban era extremamente repressivo, especialmente contra as mulheres.

Mas nestes 16 anos de guerra liderada pelos Estados Unidos, tem havido alguma melhora? Alguns afegãos e empreiteiros de defesa norte-americanos ficaram ricos, mas a maioria dos afegãos tem se tornado bastante miserável.

Após o 11 de Setembro, os Estados Unidos insistiram para que os afegãos entregassem os líderes da Al Qaeda. Em 15 de outubro, uma semana após a Operação Liberdade Duradoura ter começado, o ministro de Relações Exteriores do Taliban ofereceu Osama bin Laden à Organização da Conferência Islâmica para que fosse julgado, mas os Estados Unidos o acusaram de inação.

Contudo, para Milton Bearden, ex-diretor da CIA que supervisionou a guerra secreta dos anos 80 do Paquistão, o Taliban estava sendo sincero. “Nós nunca ouvimos o que eles estavam tentando dizer”, ele insistiu. “Não falávamos a mesma língua: nosso discurso era ‘entregar Bin Laden’, enquanto eles diziam ‘ajudaremos a entregá-lo'”.

Os representantes dos Estados Unidos se encontraram com líderes talibans mais de 20 vezes nos três anos anteriores. Bearden disse que “não tem dúvidas de que eles queriam se livrar dele”, mas os Estados Unidos estavam decididos a ir à guerra, e nunca ofereceram os plano de salvação que os talibans precisavam.

Desde então, o Afeganistão tem sido um parque infantil para a guerra com drones dos Estados Unidos, especialmente depois que Obama retirou a maioria dos cem mil soldados que ele e Bush haviam enviado.

Mas a justificativa para o uso de drones é que estes são cirúrgicos e precisos, e não matam civis. O presidente Obama fez esse caso repetidamente quando era presidente. Falando na Faculdade de Direito da Universidade de Chicago em abril de 2016, ele declarou: “O que posso dizer com grande certeza é que a taxa de baixas civis em qualquer operação com drone é muito inferior à taxa de baixas civis que ocorrem na guerra convencional”. Isso parece bom, mas não é verdade. Um estudo de Larry Lewis, do Centro de Análises Navais, e de Sarah Holewinski do Centro para Civis em Conflito, ambos em 2013 concluíram que o uso de drones no Afeganistão causou dez vezes mais mortes civis que os aviões de combate tripulados.

Em 2016, Micah Zenko e Amelia Mae Wolf, do Conselho de Relações Exteriores, relataram que “a afirmação do governo Obama de que os drones causam menos danos colaterais do que as aeronaves pilotadas, é simplesmente falsa. De acordo com as melhores evidências publicamente disponíveis, os ataques com drones em locais fora dos campos de batalha – Paquistão, Iêmen e Somália – resultam em 35 vezes mais mortes de civis que ataques aéreos por sistemas de armas tripulados em campos de batalha convencionais, como Iraque, Síria e Afeganistão”. A vantagem real dos drones é que eles resultam em muito menos mortes norte-americanas em combate, que os voos tripulados e as tropas terrestres.

Conforme o presidente Trump dá à CIA mais liberdade para atacar com drones, os crimes de guerra devem se agravar ainda mais, não?

Por mais odioso que fosse o método da guerra com drones de Obama, ele se configura uma voz moderada em comparação a Trump.

Obama realizou reuniões semanais, nas quais assinou pessoalmente suas “listas da morte”. Depois de muitas críticas, criou novas regras para limitar os danos aos civis. No final de sua administração, não permitiu ataques de drones fora das zonas de guerra, a menos que houvesse “quase certeza” de que civis não fossem feridos, que a captura dos criminosos “não era viável”, ou que o alvo representasse uma “ameaça iminente” aos Estados Unidos.

Já Trump, por outro lado, deu carta branca aos seus generais, dizendo que “confia” nos generais para as decisões militares, e os deixa encarregado delas. Como resultado, o número de ataques com drones realmente aumentou dramaticamente desde que Trump assumiu a presidência. The Long War Journal relatou que, no último ano de Obama no cargo, houve apenas três ataques com drones no Paquistão, baixos em relação aos anos anteriores, e 38 no Iêmen.

Trump afrouxou as regras instituídas por Obama, e deu à CIA e aos militares muito mais liberdade para que ataquem a Al Qaeda e o Estado Islamita no Iêmen, na Líbia, na Síria, na Somália, no Iraque e no Afeganistão. Como resultado, o número de mortes civis disparou. Enquanto Obama limitou o envolvimento da CIA na guerra com drones, Trump está ampliando o papel da CIA.

Quais as principais diferenças entre Bush, Obama e agora Trump, nos ataques com drones?

A diferença se dá principalmente no fato de que Bush usou drones em zonas de guerra declaradas para que sua administração fosse mais aberta, mas não inteiramente aberta. Obama não admitiu usar drones em zonas de guerra não declaradas, então ele foi mais encoberto. Obama esteve diretamente envolvido nos alvos.

Trump, como já mencionei, deu carta branca aos militares para decidir. Os ataques aumentaram com Trump, especialmente no Iêmen. Como Obama, ele quer evitar as baixas norte-americanas. Mas, ao contrário de Obama, Trump parece ter pouca preocupação com vítimas civis.

O uso generalizado de drones por Obama legitima o uso ainda maior e menos cauteloso de Trump. Este é um precedente muito perigoso que os Estados Unidos estabeleceram.

Qual sua avaliação da versão oficial nos Estados Unidos, de classificar como “danos colaterais” os ataques supostamente “eficientes” de drones, que comprovadamente matam muito mais civis que combatentes inimigos?

Como mencionei anteriormente, a atitude realista expressada algumas vezes através de “efeitos colaterais”, é inaceitável. É obscena. Como disse o arcebispo Desmund Tutu, na carta ao editor do New York Times: “Os Estados Unidos e seu povo querem mesmo dizer aos que vivemos no resto do mundo, que nossas vidas não têm o mesmo valor que as suas?”.

Mas os Estados Unidos encontraram uma solução para o problema do “efeito colateral “. O governo Obama definiu o problema para além da realidade, alegando que todo homem com idade militar em uma zona de guerra é militante, e digno de execução em um ataque por “assinatura”. Na maioria desses ataques, os Estados Unidos não têm como saber se os alvos eram terroristas.

Esses ataques não são apenas moralmente censuráveis ​​e, muitas vezes, ilegais: são também contraproducentes. Eles produzem mais terroristas do que matam. Como Faisal Shahzad, atacante do Times Square, respondeu ao juiz que lhe perguntou como ele era capaz de arriscar matar crianças e mulheres inocentes, sobre ataques com drones ele disse: “Não veem crianças, não veem ninguém. Eles matam mulheres, crianças, matam todos”. Os operadores de drones, muitas vezes, desumanizam as vítimas ao se referir a elas como “frutos de um erro”.

A professora doutora Azadeh Shahshahani, renomada jurista da American Civil Liberties Union (ACLU), observou recentemente para mim que:

a) No contexto doméstico dos Estados Unidos, os drones são utilizados para fins artísticos investigativos. Por exemplo, eles podem ser usados para investigar agronegócios com o fim de se verificar se estão envolvidos em abuso animal, ou não. Neste sentido, os drones podem desempenhar um papel importante e legítimo. No entanto, seu uso precisa ser regulado para garantir que sejam utilizados para vigilância por agências de aplicação da lei;

b) Segundo a lei humanitária internacional, os drones só podem ser utilizados com bombas em um conflito armado ativo e, mesmo assim, com certas restrições que incluem a necessidade militar, humanitária, a distinção e a proporcionalidade. Somente combatentes ou civis que participam diretamente de hostilidades podem ser alvo. A focalização de outros civis é proibida, e pode configurar crime de guerra

Quanto o governo dos Estados Unidos está respeitando esses princípios na utilização de drones tanto na vigilância quanto como carregadores de bombas?

Como no caso da maioria das inovações científicas e tecnológicas, os drones podem ser usados ​​para a guerra ou para a paz. Eles podem ser usados ​​para enriquecer a vida humana, ou para destruí-la. Eles representam não apenas uma engrenagem da morte na guerra, mas também como um mecanismo de vigilância que ameaça a privacidade.

Seus potenciais usos vão muito além de fazer entregas, como a Amazon considera. Eles podem ser usados ​​para monitorar o meio ambiente, para proteger a vida selvagem e para combater incêndios, entre outras coisas. O céu, por assim dizer, é o limite para eles.

Porém, os usos de drones são principalmente negativos hoje. Eles foram transformados em máquinas de matar. E, conforme ficamos sabendo através das armas nucleares e de outros sistemas de armas perigosas, uma vez que um país os tenha, outros também os terão.

Então, agora, os Estados Unidos, Israel e Grã-Bretanha estão se armando para usá-los em “zonas de guerra”, mas o que é feito para impedir que os russos os usem para matar os chechenos, ou os chineses para matar os uigures?

A visão dos Estados Unidos é muito estreita enquanto seus líderes pensam que manterão o monopólio deste tipo de guerra. China, Rússia e Irã também possuem sistemas muito avançados de drones predadores. A face da guerra moderna é assustadora, e está prestes a piorar. Atenção.

 

 

Ler a entrevista em inglês publicada por Global Research :

US Drones “Kill Women, Children, They Kill Everybody”


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Articles by: Peter Kuznick and Edu Montesanti

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