Decadência do Futebol como Consequência do Avanço do Capitalismo
A perversidade inerentemente degragante do sistema capitalista, deploravelmente redutor da existência no planeta, pode ser facilmente entendida a seguir por dizer respeito à tão declarada paixão global: envolve o nível vertiginosamente descendente do futebol mundial há mais de três décadas.
Esta modalidade esportiva começou a se transformar, proporcionalmente muito mais que as outras no mesmo período, em um bilionário negócio transnacional, fonte de lucro fácil e exorbitante para empresários e dirigentes a partir do final dos anos de 1970 e início dos de 1980 através, sobretudo, das negociações em massa de jogadores ao exterior especialmente os do chamado Terceiro Mundo, particularmente atletas sul-americanos, exportados aos financeiramente poderosos clubes europeus.
Concomitantemente, e nem poderia ser diferente, acabou florescendo também a indústria do marketing esportivo como complemento a este emergente mercado que “revolucionava” o futebol mundial, transformando a tudo e a todos – inclusive atletas – em meras marcas esportivas a serem exploradas pela mídia e por empresários, produtos comercializáveis acima de tudo ainda que se tratassem de vidas humanas.
A alma do marketing esportivo, que acabou virando até carreira universitária no início do século XXI, é vender marcas, imagens de atletas e de clubes de futebol ao público e ao próprio mercado, é claro. Alguém já notou que grandes pernas-de-pau, clubes falidos, desorganizados e dirigentes de futebol dos mais incompetentes e picaretas em muitos casos são, “misteriosamente”, idolatrados por jornalistas e alguns tietes a mais? Pois é. Trata-se da elitização bandida e completamente ilusória do futebol, no sentido que nem sempre – ou na minoria das vezes, até – premia o melhor, mas inevitavelmente os interesses do mercado.
Diante disso tudo, o assunto principal dos “debates” futebolísticos contemporâneos (igualmente empobrecidos pelo sistema) já não era mais a graça do futebol, o bem-estar de atletas e torcedores, a justa elaboração de torneios e calendários das competições esportivas, mas sim como estes poderiam melhor se adequar ao lucro financeiro.
O foco passou a ser o quanto o futebol pode ser rendoso aos burocratas que regem o esporte, a empresários de atletas e de marcas esportivas, e aos principais meios de comunicação em nada preocupados com a qualidade dos espetáculos esportivos em primeiro lugar, passando desapercebido do grande público o quanto o futebol tem se nivelado por baixo, cada vez mais.
Não por mera coincidência, já em meados da década de 1980 o mundo passou a assistir desoladamente à queda vertiginosa da qualidade dos jogos de futebol, vendo logo sua denominada era romântica que se estendia por quase meia década desmanchar-se no ar. Tal ciclo foi encerrado na Copa do Mundo do México em 1986, com o futebol já em visível decadência técnica.
No caso particular do Brasil, logo em maio de 1985 já se sentia os efeitos nefastos da globalização do mercado do futebol: em 1985, enquanto se preparava para o Mundial do ano seguinte com Evaristo de Macedo no comando técnico, entre uma série de jogos sofríveis veio a primeira derrota para a então fraquíssima Colômbia, até então sem nenhuma tradição no futebol sul-americano: 1-0 em Bogotá, onde a seleção “canarinho” levou um “vareio”. Ali, sinais bastante claros já eram dados de que o futebol estava se nivelando por baixo e o Brasil viria a colecionar, nos anos seguintes, derrotas inéditas no cenário esportivo internacional.
Eis que após uma participação com bons jogos na Copa do México no ano seguinte, quando o Brasil do brilhante técnico Telê Santana em determinados momentos fez lembrar o futebol espetáculo de anos anteriores, tendo perdido injustamente nos pênaltis para a boa França, veio a Copa América de 1987 no Chile: a melancólica participação da “amarelinha”, que já havia desfilado como melhor seleção do mundo por várias décadas, foi finalizada ainda na primeira fase com estrondosa, vergonhosa derrota para os donos da casa:4-0 para os chilenos.
A Copa seguinte, em 1990 na Itália, do primeiro ao último jogo marcou o início da nova era de apresentações futebolísticas patéticas, sem a menor graça em sua grande maioria que em nada lembravam um passado que enchia os olhos e os corações de paixão em todo o mundo. Mesmo naqueles que outrora se haviam consagrado como grandes clássicos mundiais, já se havia instalado a pateticidade o notável desfile de interesses mercadológicos que afetavam diretamente a qualidade dos jogos e, paradoxalmente, retiravam o interesse das pessoas.
Nas Eliminatórias de 1993 para a Copa do ano seguinte, a ser disputada nos Estados Unidos, também marcada pelo baixo nível técnico, outra derrota histórica do Brasl: 2-0 para a fragilíssima Bolívia em La Paz; mais uma apresentação de uma longa série, para trás e adiante, que em nada fazia lembrar a velha seleção brasileira a não ser a cor do uniforme. E mais: o Brasil, sempre muito forte politicamente junto à dona FIFA dos negócios tão bilionários quanto obscuros, recebeu naquela competição, como é tradicional na história, uma mão bastante amiga das arbitragens para chegar à disputa nos EUA, o que se repetiria gritantemente em Eliminatórias posteriores.
Um relance interno: quem não se lembra – e sente saudades – dos campeonatos estaduais até meados da década de 1980, especialmente do Paulista com seus belos clássicos e jogos pelo interior do Estado? Guarani, Ponte Preta, Bragantino, Inter de Limeira, Ferroviária, São Bento, Taubaté, XV de Piracicaba, Portuguesa Santista, XV de Jaú, América, Juventus, Paulista, Noroeste, Marília, Santo André, São José, Botafogo, Comercial, Taquaritinga, Francana, Prudentina, União São João, Ituano, Novorizontino, Rio Branco, Mogi-Mirim… Como eram apaixonantes aqueles jogos, e o quanto era complicado a qualquer equipe grande, de São Paulo e do Brasil, jogar contra esses clubes! E quantos jogadores cada um desses clubes revelou ao longo da história! Um tempo que, lamentavelmente, já se foi há muito.
Saindo novamente das fronteiras esportivas brasileiras: a Taça Libertadores dos anos de 1960, 70 e 80, que reunia apenas campeão e vice de cada país sul-americano, era outro espetáculo à parte, jogo a jogo. Outra saudosa paixão, por mais que de vários anos ara cá, exatamente em nome dos interesses financeiros, inchem a competiççao continental com jogos caça-níquies, sem a menor graça mesmo envolvendo os históricos grandes clássicos.
E essa tendência apenas piora ano a ano tanto quanto, claro sinal dos tempos, a empáfia desses atletas-produtos contemporâneos cujas “personalidades” não fazem, em nada, lembrar aquelas dos jogadores das épocas áureas do futebol quando dava gosto ouvi-los falar, era prazeroso conversar e ouvir entrevistas de atletas daquela época à áltura da paixão com que jogavam bola (Zico, Sócrates, Falcão, Pita, Zenon, Casagrande, Basílio, Edu Marangon, Careca, Silas, Ademir da Guia, Dudu, Afonsinho, Luís Pereira, Evair, Pelé, Murici Ramalho, Chicão, Leandro, Andrade, Júnior, Roberto Dinamite, João Leite, Reynaldo, Oscar, Dario Pereyra, Rivellino, Tostão, Gerson, Carlos Alberto Torres, Jairzinho, Clodoaldo, Nilton Santos, Zagallo, Zito, Garrincha, Bellini etc), entresistecendo uma comparação com as figuras dos perfeitos idiotas dos tempos atuais.
Vale ressaltar que também se deve ao sistema capitalista a feroz briga entre jornalistas esportivos pelo famoso jabá, isto é, uma porcentagem financeira “presenteada” por empresários e cartolas àqueles que valorizam, artificialmente, seus atletas de estimação em comentários na TV, no rádio e na mídia impressa, cada vez que uma negociação é efetivada.
E a própria qualidade dos jornalistas acabou afetada por essa maximização do capitalismo no esporte: são simplesmente incomparáveis os grandes especialistas em futebol do passado – com alguns remanescentes hoje, tais como como Jorge Kajuru, José Trajano e Juca Kfouri -, que além da maestria em analisar a modalidade esportiva ainda colocavam no contexto de suas ideiais questões políticas e sociais como deve ser, em relação aos aloprados do presente, panfletários e polemizadores mais rasos que palram o dia inteirinho sobre futebol, sem acrescentar absolutamente nada a não ser expor sua própria imbecilidade, a mais evidente ausência da visão de mundo e do próprio esporte.
E como esporte tem tudo a ver com sociedade e política, conforme o óbvio sugerido acima, tal sistema ratificado por jornalistas alienados e elitistas acaba também retirando a identidade nacional do futebol, além de afastar os setores populares, as massas de torcedores apaixonados dos estádios, transformados em “arenas” com shopping centers, boates etc.
Edu Montesanti
Foto : Lula
Matéria Futebol – Política (aula 3)