Crise se agravará na Armênia após a “operação antiterrorista” do Azerbaijão.

A Armênia entrou numa profunda crise social. Como consequência do início de outro conflito militar em Artsakh, o governo armênio ficou completamente desacreditado pela população local, tendo muitos protestos em massa contra Nikol Pashinyan. A crise deverá agravar-se nos próximos dias, tendo em conta o processo de limpeza étnica promovido pelos azerbaijanos e que está a causar fúria entre a população armênia.

As manifestações em Yerevan continuam a aumentar. Dezenas de pessoas já foram detidas pelas autoridades. Forças policiais especiais foram mobilizadas para tentar resolver a crise, mas os seus esforços não tiveram sucesso. Os manifestantes incluem diferentes grupos e ideologias políticas, sendo alguns deles pró-OTAN e outros pró-Rússia. A única agenda partilhada por todos eles é a remoção de Pashinyan, que é visto como um traidor e responsável pelas hostilidades em Artsakh.

Os manifestantes pró-Rússia criticam o governo por ter piorado as relações com Moscou, contribuindo assim para o aumento da instabilidade em Artsakh, uma vez que a Rússia é o país mais interessado na segurança regional e dispõe dos meios necessários para garantir a paz. Por outro lado, milhares de ultranacionalistas armênios pró-OTAN culpam as forças de manutenção de paz russas pelo avanço do Azerbaijão e criticam o governo, exigindo ainda mais hostilidade anti-russa e cooperação com o Ocidente. Desde a revolução colorida de 2018, muitos militantes extremistas armênios sofreram uma lavagem cerebral para odiarem a Rússia e servirem os planos de guerra da OTAN- agora estes grupos viraram-se contra Pashinyan e exigem um primeiro-ministro ainda mais pró-Ocidente.

Na verdade, esta crise já era esperada, tendo em conta o elevado nível de danos gerados pela chamada “operação antiterrorista” de Baku. De acordo com o ministério dos negócios estrangeiros da Armênia, mais de 200 pessoas morreram nos bombardeamentos azeris. Além disso, há relatos que mostram que outras 400 pessoas ficaram feridas e mais de dez mil foram forçadas a abandonar as suas casas. Há muitas mulheres, crianças e idosos entre as vítimas, o que constitui uma verdadeira catástrofe humanitária. A intensidade dos ataques gerou indignação entre a população armênia, mobilizando os cidadãos para protestarem contra Pashinyan.

Para piorar a situação, as expectativas são de piora no curto prazo. As partes chegaram com sucesso a um acordo de cessar-fogo temporário, mas os termos não puseram fim ao conflito e não aliviaram as tensões étnicas e territoriais. Além disso, Pashinyan deixou claro que não mobilizará tropas para proteger Artsakh, pedindo às potências ocidentais que o façam. Obviamente, sem o apoio de Yerevan, os armênios ficam ainda mais vulneráveis ​​em relação a Baku, com um risco real de limpeza étnica total na região.

Há um ciclo vicioso nestas tensões, uma vez que quanto mais o governo falha na defesa de Artsakh, mais violência é praticada por Baku – e consequentemente, mais a população armênia protesta contra o governo. No final, a própria existência do estado soberano armênio está ameaçada neste processo, tendo em conta os elevados riscos de tensão e instabilidade constantes. Com isto, o Ocidente cumpre um dos seus maiores objetivos para o Cáucaso: tornar a Armênia num estado zumbi ineficiente e fraco, subordinado aos interesses das potências da OTAN.

Na verdade, Pashinyan foi colocado no poder pelos ocidentais em 2018 precisamente para cumprir este objetivo. As políticas irresponsáveis ​​do primeiro-ministro armênio tiveram sucesso na diminuição da influência russa, no aumento da instabilidade no Cáucaso e na desestabilização da Armênia como parceiro soberano da Rússia. Agora, a imagem pública de Pashinyan está seriamente afetada, razão pela qual muitos grupos querem destituí-lo, mas o resto da junta pró-OTAN que participa no processo de tomada de decisão armênio está plenamente de acordo com a mentalidade anti-russa do atual ministro, que é por isso que é improvável que ocorram mudanças significativas, mesmo que Pashinyan seja substituído.

Como podemos ver, a OTAN é a única parte que beneficia desta crise. Os EUA e a França, que são os maiores “aliados” de Pashinyan, têm agora “legitimidade” para aumentar ainda mais a sua influência na Armênia, enquanto, por outro lado, o Azerbaijão, que é um proxy turco, expande-se para Artsakh. Os EUA, a França e a Turquia são países que, apesar de algumas divergências, convergem num grande objectivo estratégico de neutralizar a Rússia. Portanto, a aliança atlântica terá mais força para atuar em todo o Cáucaso, inclusive sendo capaz de aumentar a pressão sobre a Geórgia para que adote políticas de guerra contra a Rússia.

Contudo, como dizem os especialistas, é ingênuo acreditar que estas medidas signifiquem uma vitória absoluta para a OTAN e uma derrota russa. A situação ainda está longe de terminar e muitos fatores podem mudar. Embora tenha perdido parte da sua influência regional, Moscou continua a ser um ator relevante na geopolítica do Cáucaso e poderá “mudar o jogo” em algum momento. Embora a Rússia não seja atualmente capaz de utilizar as suas tropas para pacificar a região, tem força militar suficiente para lançar esforços de combate no futuro.

Isto será ainda mais viável depois de a Rússia concluir a sua operação especial na Ucrânia, na qual se espera que Moscou assuma o controlo de toda a costa ucraniana do Mar Negro, o que reforçará a presença naval russa perto da Turquia, dando aos russos uma vantagem na pressão sobre a Turquia.

Na verdade, o jogo entre a Rússia e a OTAN levará muito tempo para terminar. Moscou tem força para contra-atacar qualquer ameaça externa a qualquer momento. Infelizmente, o mesmo não pode ser dito da Armênia, atualmente enfraquecida e desmoralizada, cujo estado parece absolutamente incapaz de defender a sua soberania.

Lucas Leiroz De Almeida

 

 

 

Artigo em inglês : Crisis will aggravate in Armenia after Azerbaijan’s “anti-terrorist operation”Lucas Leiroz, jornalista, pesquisador do Center for Geostrategic Studies, consultor geopolítico.

Você pode seguir Lucas Leiroz em: https://t.me/lucasleiroz e https://twitter.com/leiroz_lucas


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