Como o Brasil pode defender-se da financiarização e manter o excedente económico para si próprio
A crise da dívida do Brasil
O modo de integração global pós-1945 viveu para além da sua promessa inicial. Tornou-se explorador ao invés de apoiar o investimento em capital, infraestrutura pública e padrões de vida.
Na esfera do comércio, os países precisam reconstruir a sua auto-suficiência em cereais alimentares e outras necessidades básicas. Na esfera financeira, a capacidade dos bancos para criar crédito (empréstimos) a quase nenhum custo nos teclados dos computadores levou a América do Norte e a Europa a tornarem-se infestadas por dívida e agora procuram entrar no Brasil e outros países BRIC através do financiamento de compras de empresas (buyouts) ou efectuando empréstimos contra os seus recursos naturais, imobiliário, infraestrutura básica e indústria. Especuladores, árbitros e instituições financeiras utilizando “dinheiro gratuito” vêm estas economias como escolhas fáceis. Mas ao obrigarem países a defenderem-se financeiramente, a sua criação predatória de crédito está a acabar a era dos movimentos livres de capital.
Será que o Brasil realmente precisa de entradas de crédito externo para a despesa interna quanto pode criar isto em casa? Empréstimos estrangeiros acabam no seu banco central, o qual investe as suas reservas em títulos do Tesouro dos EUA e em euro que rendem baixos retornos e cujo valor internacional é provável que decline contra as divisas dos BRIC. Assim, aceitar do Norte crédito e “entradas de capital” para compra de empresas proporciona um “almoço gratuito” para os emissores das divisas chave, dólares e euros, mas não ajuda muito as economias locais.
Gostaria de colocar o tema deste seminário, “Governação global”, no contexto do controle global, o qual é o principal significado de “governação”. A palavra (do grego kyber ) significa “pilotagem”. A questão é, rumo a que objectivo está a economia mundial a ser pilotada?
Isso obviamente depende de quem está a fazer a pilotagem. Quase sempre têm sido os países mais poderosos que organizam o mundo de maneira a transferir rendimento e propriedade para si próprios. Desde o Império Romano até a Europa moderna tais transferências assumem principalmente a forma de tomada militar e tributo. Os conquistadores normandos posicionaram-se como uma aristocracia da terra extraindo renda da massa da população, tal como o fizeram os conquistadores nórdicos da França e outros países. A Europa posteriormente tomou recursos pela conquista colonial, cada vez mais através de oligarquias locais clientes.
A história natural da dívida e da financiarização
Hoje, o manobrismo financeiro e a alavancagem da dívida desempenham o papel da conquista militar nos tempos passados. O seu objectivo é ainda controlar terra, infraestrutura básica e o excedente económico – e também obter o controle das poupanças nacionais, da banca comercial e da política do banco central. Esta conquista financeira é alcançada pacificamente e mesmo voluntariamente ao invés de militarmente. Mas o objectivo é o mesmo: fazer as populações sujeitas pagarem – como devedoras e como parceiras comerciais júnior, dependentes. As endividadas “economias hospedeiras” estão numa posição semelhante à de países derrotados. Elas perdem soberania sobre a sua própria política financeira, económica e fiscal quando o seu excedente é transferido para fora. A infraestrutura pública é vendida a estrangeiros que compram-na a crédito, sobre o qual pagam juros e comissões que são consideradas como deduções fiscais, apesar de serem a estrangeiros.
O Consenso de Washington aplaude esta política pró-rentistas. A sua ideologia neoliberal sustenta que o caminho mais eficiente para a riqueza é retirar o planeamento económico das mãos do governo e transferi-lo para as dos banqueiros e administradores de dinheiro responsáveis pela privatização e financiarização da economia. Quase sem qualquer percepção, esta visão está a substituir a lei clássica dos países baseada na ideia da soberania sobre a política da dívida e financeira, a política tarifária e a fiscal. A própria ideologia tornou-se uma arma económica. Aos governos endividados tem sido dito, desde 1980, para venderem a sua infraestrutura pública a investidores estrangeiros. Encargos extractivos com “portagens” (também chamados renda económica) substituem pagamentos moderados ou subsidiados do público utilizar, tornando as economias menos competitivas e encurralando-as ainda mais no beco da dívida quando o excedente é transferido para o exterior, em grande medida livre de impostos.
O que o mundo experimenta face ao globalismo de hoje é uma crise no carácter da nacionalidade e da soberania económica. Banqueiros no Norte consideram qualquer excedente económico – renda imobiliária, fluxo de caixa corporativo ou mesmo o poder de tributação do governo ou a capacidade para vender empresas públicas – como uma fonte de receita para pagar juros sobre dívidas. O resultado é uma economia mais alavancada por dívida em todos os países. O investimento estrangeiro, o empréstimo bancário, a privatização da infraestrutura pública e especulação com divisas é agora administrado a partir da perspectiva dos banqueiros.
Há uma grande excepção quanto a ceder a política nacional ao controle estrangeiro: os próprios Estados Unidos são de longe a maior economia devedora do mundo. Enquanto mobilizam o poder do credor para forçar outros devedores a privatizarem seus sectores públicos e anuir a um proteccionismo unilateral estado-unidense, os Estados Unidos são o único país capaz de emitir a sua própria divisa (dívida do Tesouro) e crédito bancário internacional sem limites, a uma taxa de juro mais baixa do que qualquer outro país e mesmo sem quaisquer meios previsíveis para pagar.
Este duplo padrão transformou o carácter das finanças internacionais e o significado dos influxos de capital. O dinheiro já não é um activo na forma de barras de ouro ou prata que reflectem o que foi produzido pelo trabalho. O dinheiro é crédito e portanto encontra a sua contrapartida em dívida no lado do passivo do balanço. Uma vez que os Estados Unidos suspenderam a convertibilidade do dólar em ouro em 1971, o dinheiro internacional – as poupanças dos bancos centrais – assumiram a forma sobretudo de dívida do Tesouro dos EUA, isto é, empréstimos aos Estados Unidos para financiarem os seus défices gémeos da balança de pagamentos e orçamental (ambos os quais são em grande medida de carácter militar). Enquanto isso, o crédito da banca comercial interna assume a forma de dívida privada – dívida hipotecária, dívida corporativa (cada vez mais por takeovers alavancados por dívida) e mesmo empréstimos para especulação em apostas com derivativos financeiros e divisas.
Pouco crédito bancário tem ido para o financiamento de investimento tangível de capital. A maior parte de tal investimento tem sido paga a partir de rendimentos retidos de negócios, não empréstimos bancários. E os bancos e casas correctoras têm financiado takeovers, os novos compradores ou atacantes (raiders) tiveram de desviar fluxo de caixa corporativo para reembolsar os seus credores ao invés de expandir a produção. Foi assim como os EUA e outras economias tornaram-se financiarizadas e pós-industrializadas. A sua experiência deveria servir como uma lição objectiva do que o Brasil e outros países precisam evitar.
Os empréstimos da banca estado-unidense têm sido a principal dinâmica a alimentar a inflação global do imobiliário e dos preços das acções e títulos, reforçados ao longo da última década pelos empréstimos da banca europeia. O dólar a crédito (como o yen a crédito após 1990) é criado “gratuitamente” sem o constrangimento que costumava ocorrer quando fluxos de saída de capital forçavam os bancos centrais ou a elevar taxas de juro nacionais ou perder os seus stocks de ouro. De facto, qualquer economia hoje pode criar o seu próprio crédito interno nos seus próprios teclados de computador – os do seu banco central e dos seus bancos comerciais. Sob as condições de hoje, empréstimos estrangeiros não proporcionam recursos que os países hospedeiros não possam criar por si mesmos. O efeito do crédito estrangeiro quando convertido em divisa interna é meramente sugar juros e renda económica.
Não é amplamente reconhecido que a maior parte dos empréstimos da banca comercial simplesmente anexam dívida a activos existentes (acima de tudo, imobiliário e infraestrutura) ao invés de serem investidos na criação de novos meios de produção, ou para empregar trabalho, ou mesmo ganhar um lucro. Os bancos preferem emprestar contra activos já existentes – imobiliários ou companhias inteiras. De modo que a maior parte dos empréstimos bancários é utilizada para elevação de preços por activos, especialmente aqueles cujos preços espera-se ascenderem o suficiente para pagar o juro sobre o empréstimo.
O facto de banqueiros poderem criar dívida portadora de juro à vontade com pequeno custo de produção coloca a questão de se se deve deixar este almoço gratuito (renda económica) em mãos privadas ou tratar a criação de moeda como um bem público “institucional”. Os economistas clássicos instavam a que tais privilégios de geração de renda fossem regulados para manter preços e rendimentos alinhados com os custos de produção necessários. O meio mais seguro para isto era manter monopólios no domínio público a fim de proporcionar serviços básicos a custo mínimo ou gratuito enquanto impostos territoriais e pagamentos do utilizador podiam servir como a fonte principal de receita pública. Este princípio foi flagrantemente violado pela prática de erigir “portagens” privatizadas que extraem receitas de rendas sem um custo de produção correspondente. Isto foi feito de um modo que beneficia apenas uns poucos selectos.
A explosão descontrolada de crédito global e de dívida – e, portanto, a pressão para liquidar monopólios naturais no domínio público – é em grande medida um resultado da explosão de crédito desencadeada após o fim da convertibilidade do ouro em 1971. Como observado acima, o subsequente padrão dos Títulos do Tesouro dos EUA deixou os bancos centrais estrangeiros sem nenhum veículo no qual manter as suas reservas internacionais excepto empréstimos ao US Treasury. Isto dá rédea solta ao défice da balança de pagamentos dos EUA, a qual traduz-se em rédea solta militar. Depois de a Guerra da Coreia ter forçado o dólar ao status do défice em 1951, os gastos militares além-mar através de toda a década de 50 e de 60 equivaleram a todo o défice de pagamentos dos EUA. O sector privado estava quase exactamente em equilíbrio durante estas décadas, ao passo que a “ajuda ao estrangeiro” dos EUA realmente gerou um excedente de balança de pagamentos, em resultado da ajuda ligada a exportações dos EUA ao invés de sê-lo às necessidade de ajuda dos países receptores.
Enquanto outros países incorrendo em défices comercial e de pagamentos devem aumentar as suas taxas de juro para estabilizar as suas divisas, os Estados Unidos reduziram as suas taxas de juro. Isto aumentou a “taxa de capitalização” das suas rendas imobiliárias e rendimentos corporativos, permitindo aos bancos emprestarem mais contra colaterais com preços mais elevados. Propriedade é valor seja o que for que os bancos emprestem contra ela, de modo que a economia dos EUA tem sido capaz de utilizar a rédea solta do padrão dólar para carregar-se a si própria com um encargo de dívida sem precedentes – um encargo que tradicionalmente foi sofrido só por países que combatem guerras no exterior ou pressionados por pagamentos de reparações. Este é o legado auto-destrutivo do padrão da Letra do Tesouro.
Isto é uma lição objectiva para o Brasil evitar. O vosso país hoje está a receber influxos na balança de pagamentos quando bancos estrangeiros e investidores criam crédito para emprestá-lo contra o vosso imobiliário, recursos naturais e indústria. O seu objectivo é obter o vosso excedente económico na forma de pagamentos de juros e rendimentos, transformando-vos numa economia de portagens rentistas.
Por que deveriam vocês precisar destes “influxos de capital” que extraem juros, rendas e lucros como retorno do “crédito de teclado de computador” que podem criar por si próprios? No mundo de hoje, nenhum país precisa de crédito do exterior para gastos em divisas internas na sua própria casa. O Brasil deveria evitar deixar credores estrangeiros capitalizarem o seu excedente económico na forma de serviço de dívida e outros pagamentos.
O caminho para evitar este destino já foi esboçado desde os fisiocratas franceses e Adam Smith até John Stuart Mill e os reformadores da Era Progressista [NT 1] . Eles recomendavam que através do fim de privilégios especiais legados pelas conquistas militares da Europa (privatização da renda da terra) e pela colecta do “almoço gratuito” do rendimento rentista como a base fiscal, esta receita podia ser salva de ser privatizada e capitalizada em empréstimos bancários. Tributar a terra e o recurso à renda reduz o custo de vida e de fazer negócios não só pela remoção do fardo fiscal sobre o trabalho e a indústria como também por manter baixos os preços da habitação e do imobiliário.
No século XIX o sistema americano de economia política estava baseado, correctamente, na percepção de que trabalho altamente pago é trabalho mais produtivo, assim como o trabalho bem-educado, bem alimentado e bem vestido supera o trabalho “paupérrimo”. A chave para a competitividade internacional é portanto a elevação de salários e padrões de vida, não o seu rebaixamento. Isto é especialmente o caso do Brasil, dada a sua necessidade de elevar a produtividade do trabalho pela melhor educação, saúde e sistemas de apoio social se quiser prosperar independentemente no século XXI. E se for para elevar o investimento de capital e padrões de vida libertos de serviço de dívida e de preços mais elevados de habitação, o Brasil precisa impedir que o excedente da economia seja transformado num “almoço gratuito” na forma de renda da terra, renda de recursos e renda de monopólio – e salvar este excedente económico de banqueiros que procuram capitalizá-lo em pagamentos de dívida. Isto é melhor conseguido tributando o potencial rentista que transforma o excedente em encargo desnecessário.
A visão das economias pelos olhos dos banqueiros
O plano de negócios dos departamentos de marketing dos bancos é capitalizar qualquer excedente económico para o serviço de dívida. Responsáveis por empréstimos vêm qualquer fluxo de rendimento como potencialmente disponível para ser capturado como pagamentos de juros. O seu sonho de crescimento e êxito financeiro é ver todo o excedente capitalizado em serviço de dívida de empréstimos. Renda líquida imobiliária, fluxo de caixa corporativo (ebitda: earnings before interest, taxes, depreciation and amortization, rendimentos antes de juros, impostos, depreciação e amortização), rendimento pessoal acima das necessidades básicas de despesas e receitas fiscais líquidas de governo podem então ser capitalizadas à medida que os bancos concedam empréstimos. E quanto mais crédito concederem, mais elevados serão os preços para o imobiliário, as acções e os títulos.
Assim, a concessão de empréstimos da banca é aplaudida por tornar as economias mais ricas, mesmo quando famílias e negócios são sobrecarregados com cada vez mais dívida. Taxas de juro mais baixas, pagamentos iniciais mais baixos, períodos de amortização mais extensos e mesmo a concessão fraudulenta de empréstimos imprudentes aumentam portanto a “taxa de capitalização” do imobiliário e a receita dos negócios. Isto é aplaudido como “criação de riqueza” – a qual se verifica ser inflação de preços de activos alavancados por dívida que podem infectar uma economia inteira. Isto está muito distante do que Adam Smith escreveu em A riqueza das nações.
O limite desta política é atingido quando todo o excedente económico é transformado em serviço de dívida. Neste ponto, a economia está plenamente financiarizada. O rendimento gasto para pagar dívidas não está disponível para novo investimento ou gastos de consumo, de modo que a economia “real” está estrangulada pela dívida e tem de encolher.
Esta é a razão porque a recente decolagem financeira acabou num crash. Esta é a razão porque grande parte do mundo hoje está a verificar, fora do Brasil e dos demais países BRIC, que não acompanharam totalmente o caminho da financiarização neoliberal até a sua culminação em deflação da dívida e austeridade.
O Banco Mundial e o FMI não são reformáveis, porque são baseados numa filosofia económica destrutiva.
O documento CDES fala de “reformar” o FMI, o Banco Mundial e mesmo as Nações Unidas. Não acredito que esta esperança seja realista. Como analisei em Super Imperialism (1972 e 2002), o Banco Mundial e o FMI estão comprometido com uma filosofia basicamente destrutiva, sob a bandeira eufemística do “livre comércio” e de “mercados de capital livres e abertos”.
No caso do desenvolvimento agrícola, o Banco Mundial está autorizado apenas a fazer empréstimos em divisa estrangeira destinado a aumentar exportações. Os seus empréstimos consequentemente têm sido para estradas e infraestrutura de exportação, não para desenvolver a economia local. O foco do Banco sobre plantações para exportação de colheitas levou à sua super-oferta global, reduzindo os termos de troca do Terceiro Mundo ao mesmo tempo que desvia os padrões agrícolas da alimentação às populações do Terceiro Mundo com colheitas internas de cereais para dependerem dos excedentes de cereais estado-unidenses e europeus – a preços elevados e com excedentes no comércio de cereais!
Este padrão comercial beneficia os países industriais exportadores de cereais enquanto conduz a periferia à dependência alimentar e à dívida – situação para a qual a palavra “interdependência” se tornou o eufemismo burocrático. Noto que esta palavra de cara sorridente – interdependência – aparece na primeira sentença da brochura desta reunião. Ela implica anuência à globalização, como se esta fosse desejável em si mesma e mutuamente benéfica para todas as partes. Mas no mundo de hoje, interdependência implica três modos de dependência: (1) dependência alimentar, (2) dependência militar e (3) dependência da dívida. O Consenso de Washington promovido pelo Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a ajuda bilateral dos EUA reforça estes três modos de dependência, promovendo a hegemonia financeira e militar estado-unidense.
AGÊNCIAS DE CLASSIFICAÇÃO DE CRÉDITO
A resultante drenagem de pagamento a credores e a ausência de investidores nos países força venda em liquidação do seu domínio público a fim de equilibrarem os seus orçamentos. As agências de classificação de crédito ameaçam degradar países que não “cooperam” abrindo mão dos seus níveis de comando – a sua infraestrutura básica, juntamente com a sua terra, água e outros recursos naturais – a preços vis. Classificações de crédito mais baixas ameaçam forçar estes países a pagarem juros muito mais altos. Este sistema captura-os na armadilha de deixar os privatizadores extraírem renda económica.
Desde cerca de 1950 até 1980, o Banco Mundial e consórcios da banca comercial emprestaram dinheiro a governos para instalarem a sua infraestrutura básica. Agora que estes empréstimos estão liquidados, os bancos estão a emprestar outra vez para compradores privados destes activos. Os novos proprietários esperam sem dúvida erguer portagens sobre esta infraestrutura até agora pública – e a “despesa” da sua receita na forma de juros fiscalmente dedutíveis, encargos de subscrição, altas taxas de administração e outros “custos de produção” em grande medida fictícios. A ortodoxia da contabilidade globalizada permite a investidores estrangeiros transferirem as receitas cobradas aos utilizadores e outras rendas económicas para fora do país, sem impostos. Isto conduz as economias hospedeiras, mais uma vez, ao défice da balança de pagamento, levando a ainda mais liquidações e mesmo a drásticos descontos com preços de desespero.
A reforma fiscal e financeira deve andar a par para criar crescimento mais estável
O documento para esta conferência refere-se ao crescimento da população do Terceiro Mundo como estando a afectar a “importância relativa dos países desenvolvidos”. Em tempos passados, população significava uma vantagem militar, bem como oferta de trabalho para a produção. Mas as finanças exercem hoje controle dominante. Os países principais estão desejosos de ver o Brasil e outros países BRIC crescerem e exportarem suficientes bens de trabalho intensivo e matérias-primas para pagarem o crescimento das suas dívidas. O que querem os interesses rentistas é o excedente económico, na forma de serviço de dívida (juros, amortizações e taxas) e rendas de monopólio na forma de encargos de portagem de estradas e outras infraestruturas públicas que estão a ser privatizadas. Eles aumentam ainda mais o estrago pedindo aos governos que se coíbam de tributar estas conquistas, através da permissão de que os juros e outros encargos tecnologicamente desnecessários sejam fiscalmente dedutíveis. Uma ilusão de não-lucro (e portanto, não tributável) do negócio é dada também seguindo a pretensão contabilística de preços de transferência ficticiamente baixos nas exportações.
Os contabilistas corporativos quantificam estes estratagemas tendo em vista deixar pouco rendimento líquido para ser relatado e tributado. Sob este mapa falso da realidade económica, aparentemente as estatísticas empíricas servem principalmente para preservar a enganosa teoria económica neoliberal por trás delas. [1]
Para manter o seu monopólio da criação do dinheiro, os países credores pedem que os governos não utilizem os seus bancos centrais para fazer aquilo para que os bancos centrais de todo o mundo foram originalmente fundados: financiar défices do orçamento público pela monetização dos mesmos a fim de se tornarem a base nacional do crédito. A pretensão é de que seria inflacionário para bancos centrais financiar os défices orçamentais dos seus governos. Mas isto não é mais inflacionário do que permitir aos bancos centrais e comerciais dos Estados Unidos e da Europa criarem crédito nos seus próprios teclados de computador!
O Banco Central Europeu insiste em que os governos contraiam empréstimos só junto a bancos comerciais e outros credores do sector privado – e mesmo que agências de bancos estrangeiros em países hospedeiros possam denominar empréstimos na divisa utiliza pela sede ou em outras divisas estrangeiras. Agências de bancos suecos na Letónia e agências de bancos austríacos na Hungria fizeram assim empréstimos denominados em Euros. Os bancos do país credor podem dessa forma invadir e conquistar pela criação do seu próprio crédito electrónico local, violando a primeira directiva da administração financeira sensata: nunca denominar dívidas em divisa estrangeira hard, quando o seu rendimento é em divisa interna soft.
O pedido de que os países “equilibrem os seus orçamentos” é um eufemismo para a venda em saldo do domínio público, cortes em pensões e despesas públicas com educação, cuidados médicos e outras pré-condições básicas para elevar a produtividade do trabalho. Tal austeridade pede o oposto das políticas keynesianas seguidas pelos próprios Estados Unidos. As economias sujeitas ao Consenso de Washington caem mais e mais para trás, tornando a economia global mais polarizada e instável. O colapso do “Tigres bálticos” e de outras economias pós-soviéticas em que planeadores neoliberais tiveram liberdade de acção mostra-se uma lição objectiva de quão auto-destrutivas são estas políticas para os países que a elas se submetem.
O que é irónico é que a filosofia fiscal que favorece a alavancagem da dívida ao invés do investimento por emissão de acções está a destruir as economias credoras assim como a periferia financiarizada! Sem dúvida: Esse é o ricochete que a Europa e América do Norte estão agora a experimentar. Eles permitiram que a criação de crédito livre sujeitasse as suas próprias economias à deflação da dívida [2] – as mesmas políticas disfuncionais que arruinaram o desenvolvimento do Terceiro Mundo desde a década de 1960.
É para impedir a resultante contracção da economia “real” – e na verdade, a servidão à dívida – que sindicatos europeus estão a organizar uma greve geral em 28 de Setembro de 2010, contra planos de austeridade que reverteriam padrões de vida. O movimento do países BRIC para criar um sistema financeiro alternativo e uma filosofia de comércio e desenvolvimento por si próprios é uma reacção afim contra o impulso neo-rentista para minar a reforma económica clássica.
A importância da ideologia económica para recomeçar
Na explicação da força económica do Brasil, as suas vantagens incluem a sua população e recursos naturais, mas isto sempre existiu. O que vos torna tão atraentes hoje é que ainda não estão infestados por dívida como a América do Norte e a Europa. O vosso excedente económico ainda não está comprometido para pagar serviço de dívida, de modo que aos olhos dos banqueiros vocês ainda não chegaram ao limite superior em matéria de empréstimos.
O vosso problema económico principal é como se protegerem do crédito e da explosão de dívida que arrastou o Norte para baixo. A vossa solução deve ser seguir uma alternativa à ideologia fiscal regressiva e à privatização de monopólios naturais e de privilégios financeiros que está a ser hoje promovida pelas instituições internacionais.
Protegerem-se a si próprios exige mais do que simplesmente uma “revisão da governação global”. Exige uma ruptura absoluta com o passado. A revisão tende a ser meramente marginal. Uma mudança mais estrutural é o requerido. E quando construindo um novo fundamento, é mais fácil começar de novo do que tentar modificar instituições más e treinar outra vez pessoal comprometido com as políticas disfuncionais do passado.
Um exemplo excelente disto é a política dos EUA após a sua Guerra Civil. Para desenvolver a lógica do seu programa económico, o Partido Republicano daquele tempo (não os republicanos neoliberais de hoje!) fundaram universidades estatais e business schols para ensinar a alternativa de base proteccionista e tecnológica à doutrina do comércio livre britânica que estava a ser ensinada nas universidades mais prestigiosas tais como Harvard, Yale e Princeton. Foram estas escolas menos prestigiosas que ensinaram as doutrinas que impeliriam os Estados Unidos à liderança mundial por meio de tarifas protectoras, um banco nacional e investimento em infraestrutura pública. [3]
Comentários e recomendações sobre os quatro objectivos mencionados para discussão nesta conferência
(1) Globalização e mercados de trabalho sob a actual pressão auto-destrutiva por austeridade foram discutidos e recomendações foram dadas a cima. Sob o eufemismo de “orçamentos equilibrados”, a austeridade fiscal objectiva impedir os países de criarem o seu próprio crédito público e de utilizarem o seu excedente económico para elevar padrões de vida. Sob austeridade, a receita do governo é utilizada para pagar serviço de dívida, salvar bancos e efectuar outras pagamentos de transferência ou de subsídios ao sector das finanças, seguros e imobiliário (finance, insurance and real estate, FIRE) interno e externo ao invés de gastá-lo para elevar a produtividade. Isto obviamente deveria ser evitado.
(2) Novos indicadores de desenvolvimento são realmente necessários para substituir a contabilidade do PIB com um mapa melhor e mais realista da economia. A doutrina tradicional clássica dividia as economias em duas partes: (A) o sector da produção-e-consumo que os manuais habitualmente mencionam como a economia “real” e (B) o sector extractivo FIRE. Esta dicotomia tratava a renda da terra, os juros e comissões sobre crédito bancário, as rendas de monopólios extorsivos e outros pagamentos tipo “portagem” como transferências de pagamentos, não como produto. Mas a corrente principal de hoje relativa às contas do PIB define este “rendimento imerecido” – que costumava ser encarado como encargos gerais, a preços em excesso dos seus custos de produção necessários – como reflectindo o custo e o valor do “produto”, como se aquilo que os rentistas do sector FIRE cobram fosse uma parte necessária da economia. Banqueiros e rentistas têm todo o interesse em manter esta falsa dicotomia.
É como se os economistas houvessem esquecido o gracejo de Charles Baudelaire: “O diabo vence no momento em que convence o mundo de que ele realmente não existe”. Em particular, o formato contabilístico do PIB rejeita a definição clássica de renda económica como o excesso de preço de mercado extraído acima dos custos necessários de produção. O resultado é um mapa de como a economia funciona na visão dos rentistas – uma visão na qual banqueiros, latifundiários e monopolistas desempenham um papel produtivo, como se todos os seus privilégios especiais e status económico favorecido fossem produtivos ao invés de extractivos.
O formato da contabilidade do PIB e do balanço nacional subestima a terra e outros recursos naturais, tratando-os como “capital” e portanto encarando a sua renda económica como “receitas”, não rendimentos imerecidos. Isto promove a ilusão de o imobiliário sobe de preço do imobiliário porque edifícios de alguma forma estão a crescer em valor, apesar de serem amortizados para propósitos fiscais. Esta tendência crescente pela valorização de edifícios é a expensas do valor da terra e o quadro resultante impede uma análise precisa.
Num “erro de omissão” relacionado, os adeptos do comércio livre têm-se oposto a calcular o custo económico de recuperar a exaustão da riqueza mineral, do subsolo e de florestas da exploração privada. Tomar em conta o esgotamento do recurso, a limpeza ambiental e outros encargos de restauração reduziria os cálculos dos ganhos do comércio com os quais a teoria neoliberal do livre comércio doutrina estudantes e responsáveis públicos. Ainda mais directamente, governos têm sido persuadidos a dar uma quota de exaustão [NT2] a investidores privados por fazerem buracos no chão e deitarem florestas abaixo. Seria mais razoável para eles fazerem pagamentos para reembolsar a economia nacional que está a perder este património ou a sofrer encargos com limpeza ambiental.
Uma economia global estável precisa de um formato contabilístico que reflicta a capacidade de um país para dívidas externas. Em 1929 o Plano Young apelava a tal medida e na verdade prevenia a ruptura financeira global ao limitar os pagamentos de reparações da Alemanha no contexto do cálculo de quanto câmbio estrangeiro aquele país podia ganhar (e pagar) no decorrer do comércio normal, algo muito diferente do que simplesmente tentar pagar pela assunção de mais dívida ou venda de activos.
Quando uma economia é capaz de pagar dívidas simplesmente tomando emprestada nova moeda ou vendendo activos a saldo, as dívidas deveriam ser consideradas más e serem canceladas. Tomar emprestado o juro ou privatizar o domínio público para pagar estas dívidas não é “equilíbrio” em qualquer sentido significativo. Torna-se a espécie de despojamento de activos que a Islândia e a Letónia estão agora a sofrer e que países do Terceiro Mundo sofreram no fim da década de 70 e na de 80. Isto é a estrada para a servidão da dívida, o retraimento da economia e a incitação à emigração do trabalho bem como a fuga de capital.
(3) Uma política de desenvolvimento insustentável resulta directamente tanto da actual política de austeridade como do mapa da economia pró-rentista do PIB, que reflecte apenas a visão do mundo dos banqueiros. Dívidas crescendo a taxas exponenciais (“a magia do juro composto”) não são sustentáveis. Tentar pagá-las aumenta o custo de vida e de fazer negócio, tornando as economias endividadas menos competitivas enquanto empobrecem a sua população, levando a incumprimentos tanto em divisa interna como estrangeira, e assim a inquietação social.
No século XIX, quando a teoria do comércio foi elaborada pelos free traders britânicos (mesmo que ela logo tenha sido contrariada pelos proteccionistas americanos e outros economistas progressistas), as despesas com alimentos e outros bens de consumo proporcionavam a base para comparações do custo de trabalho entre países. O défice comercial de hoje dos EUA, em contraste, reflecte como o custo do trabalho é inflacionado por pagamentos ao sector FIRE. As famílias tipicamente pagam 40% do seu rendimento pelo serviço da dívida hipotecária e outros encargos, 15% para outras dívidas (juros de cartão de crédito e comissões, empréstimos para carro, empréstimos para estudante, etc), 11% do salário retido no FICA [NT 3] para Segurança Social e Medicare e cerca de 10 a 15% para outros impostos (de rendimento e impostos sobre o consumo). Para coroar, o fardo financeiro da dívida alavancada imobiliária e do consumo é agravado pela poupança de poupança forçada posta de lado e entregue a administradores de dinheiro para investimento financeiro nestes instrumentos alavancados por dívida e salários “financiarizados” retidos para Segurança Social. Evitar estes passivos fiscais pela utilização de planos pré-pagos excluídos da tributação actual é um meio mais estável e confiável, como tem mostrado a experiência alemã.
(4) Governação global. Quem estabelecerá as regras? E no interesse de quem serão elas estabelecidas? Ao discutir acima a austeridade, por exemplo, precisamos perguntar “austeridade para quem?”
O papel corrosivo da dívida e o principal problema a confrontar os países de hoje e portanto dívida é o centro de planos rivais para a governação global. A mais premente escolha política é se cancelamos hipotecas e outras dívidas para reflectir a capacidade de pagar. Se estas dívidas não forem canceladas, o resultado será a deflação pela dívida que pode destruir economias inteiras. Como proprietários de casas e de negócios têm de pagar o seu rendimento aos seus banqueiros – não gastando em bens e serviços – então o emprego e o produto nacional terão de continuar a encolher.
Mas cancelar as dívidas significará que os bancos e os 10% mais ricos da população perderiam a vantagem financeira que lhes permite reduzir os 90% da base à servidão da dívida. Até agora, estes interesses especiais estão a dominar a política económica nacional no Norte – e é no rastro da resultante deflação da dívida que eles estão a olhar para as economias BRIC.
Sumário
A máxima “Seja qual for o rendimento de que o arrecadador fiscal abdique, ele está disponível (“livre”) para ser comprometido a credores como juro” é a descrição definidora do que a não tributação da riqueza tem significado para os agentes financeiros. Isenções fiscais sobre o imobiliário, por exemplo, deixam mais fluxo de caixa disponível para serem pagos a banqueiros hipotecários, cujos empréstimos capitalizam o excesso não tributado no crédito permitindo a compradores utilizarem-no para aumentar preços de habitação e espaço de escritório. Isto leva economias a carregarem-se com dívida em nome da elevação de preço. Os preços por bens e serviços também ascendem enquanto o rendimento do consumidor é esmagado quando impostos mais baixos sobre a propriedade obrigam o governo a tributar mais o trabalho e a elevar impostos sobre vendas.
Este favoritismo fiscal pró-rentista é o oposto das reformas da teoria económica clássica e está destinado a fracassar. Os seus promotores têm a audácia de afirmar que Adam Smith, J.S. Mill e seus seguidores são os santos patronos da sua ideologia neoliberal. Eles ignoram o facto de que a economia política clássica endossou um conjunto amplo de serviços públicos e apoio social fora do mercado. Os Estados Unidos subsidiaram a sua decolagem industrial pela percepção de que estradas, saúde pública e outros serviços básicos deveriam ser proporcionados gratuitamente ao invés de serem sobrecarregados com encargos intrusivos de portagens.
A ideologia neoliberal assevera que tal investimento e regulação públicos constitui a “estrada para a servidão” e propõe em seu lugar o que pode ser melhor definido como a estrada real da servidão pela dívida – favoritismo fiscal por dívida alavancada seguido pela deflação da dívida e austeridade.
Políticos cujas campanhas são financiadas pelos lobbistas do sector FIRE legislaram sistemas fiscais que favorecem a alavancagem da dívida. O mito é que todo o crédito, para qualquer finalidade, é um custo necessário de fazer negócio. Assim, à dívida portadora de juro é concedido favoritismo fiscal. Tonar os pagamentos de juros (mas não de dividendos) favores fiscalmente dedutíveis alavancando dívida e tributar ganhos de capital a apenas uma fracção dos salários ou lucros também desvia crédito bancário que alimenta a inflação de preços de activos. Isto distorce decisões de investimento, tal como faz a política de tributar ganhos de capital a apenas uma fracção da taxa imposta sobre o rendimento “ganho” (salários e lucros de negócios). Ambas as políticas encorajam a falsa criação de riqueza através da inflação de preços de activos. O efeito é concentrar riqueza de maneiras que os economistas clássicas definiram como improdutivas – investimento à procura de “renda económica” (rendimento sem o correspondente custo de produção) e elevar preços de terras a que J.S. Mill chamou um “incremento não merecido”.
A moral é que a reforma financeira deve ir par a par com a reforma fiscal. Os neoliberais discordam. Reflectindo o lema de Margaret Thatcher, “There is No Alternative” (TINA), eles ignoram a alternativa advogadas por dois séculos de reformadores clássicos. Desde Adam Smith e os fisiocratas até John Stuar Mill e mesmo Winston Churchill, a plataforma do mercado livre era tributar a renda económica da terra a fim de manter baixo o preço da habitação e dos impostos que incidem sobre o trabalho e a indústria.
A Era Progressiva estendeu o objectivo de minimizar a renda económica em mãos privadas ao manter monopólios naturais tais como transportes e comunicações no domínio público, ou pelo menos regulando os preços que eles podiam cobrar e encorajando acções ao invés de financiamento por dívida. Os Saint-Simonianos, por exemplo, esperavam organizar bancos como fundos mútuos, proporcionando crédito por acções aos seus clientes a fim de manter os retornos financeiros alinhados com o que os tomadores dos empréstimos realmente ganham.
A reacção política promovida pelos rentistas de hoje contra a teoria económica clássica inverte estas políticas. Aspirantes a privatizadores da infraestrutura pública e a monopólios procuram renda económica – mas não deixariam que você partilhasse seu segredo. Políticos são apoiados principalmente pelo sector FIRE, cujos apoiantes vêm empréstimos hipotecários e empréstimos para compra como o seu mercado principal. A tragédia da nossa época é que a maior parte do crédito é oferecida para a compra de oportunidades de extracção de renda, não para a formação de capital produtivo. Os bancos preferem antes emprestar contra propriedade já existente – imobiliária ou empresas – do que financiar novo investimento de capital.
Assim, retornamos a como privatizar o domínio público e financiarizar a economia é afim a uma derrota militar. Para defenderem-se, os países BRIC precisam isolar-se da criação global de dívida. O “diálogo” a que a vossa conferência apela quanto às regras para “nova governação global” é improvável que alcance um consenso sob as condições de hoje nas quais os Estados Unidos e a UE, o Banco Mundial e o FMI, estão a pressionar por austeridade. Eles estão a apelar a um sacrifício da Segurança Social do trabalho e de poupanças de pensão a fim de extrair pagamento para a dívida excessiva que foi permitido desenvolver-se. Não há discussão de aumento da competitividade nacional pela comutação do fardo fiscal para fora do trabalho e da indústria e para dentro da renda económica e da dívida alavancada. Isto é um deliberado ponto cego na política fiscal e financeira neoliberal de hoje.
Apesar dos poucos que estão a tornar-se ricos para além dos seus sonhos mais loucos (ou da elegante tagarelice encontrada na maior parte dos manuais dominantes de teoria económica), a globalização segundo linhas rentistas assumiu uma forma corrosiva. Ao invés de ser um programa de ganho mútuo, ela encorajará uma portagem rentista privatizada numa economia sofrendo de profunda deflação da dívida. Dado o ponto de vista dos banqueiros promovido pelo FMI e o Banco Mundial, a vossa tarefa deve ser permanecer livre da sua influência.
A principal ameaça aos vossos interesses económicos é a crescente pressão global de hoje para retroceder a políticas que cortam padrões de vida, investimento de capital e despesas de infraestrutura a fim de pagar dívidas públicas e privadas em crescimento exponencial. A realidade é que a menos que as dívidas sejam canceladas por muitos países – ou pelo menos reduzidas à capacidade razoável de pagamento sem generalizar arrestos e uma perda de autonomia nacional para os planeadores centrais no FMI – a economia mundial sofrerá polarização financeira entre credores e devedores, culminando no colapso social.
Tal austeridade económica e dependência da dívida não são necessárias. Há uma alternativa.
(1) Não permitir que estranhos e investidores absenteístas conduzam a taxa de câmbio da sua divisa através da compra dos seus activos com crédito do “teclado do computador” de que vocês não precisam e podem criar por si próprios.
(2) Não abdicar da criação de dinheiro em favor de bancos que objectivam extrair juros pelo financiamento de compras alavancadas por dívida ou especulação com a divisa.
(3) Utilizar o vosso sistema fiscal e política regulamentar para encorajar acções ao invés de financiamento por dívida, e controlar a criação de moeda.
(4) Promover o investimento do excedente económico do Brasil na elevação da produção e dos padrões de vida, de modo a criar uma retro-alimentação positiva entre níveis salariais mais elevados e produtividade, portanto competitividade global mais alta.
Em causa está o conceito do que realmente constitui mercados livres. Deverão eles estar livres de invasores e especuladores financeiros, ou livres do monopólio e do privilégio especial? A economia política clássica do século XIX procurava impedir que o “almoço gratuito” (a renda económica) elevasse os preços da terra e das matérias-primas e manter a criação financeira de crédito e de monopólios relacionados no domínio público como a sua base fiscal natural. O objectivo era promover rendimento produtivo “ganho”, não apenas assumir que todo rendimento era ganho de modo razoável e isto deveria ser o objectivo hoje para um mercado verdadeiramente livre que funcione para todos os participantes.
Felizmente, o Brasil e seus companheiros membros do BRIC têm uma oportunidade para criar a versão clássica de mercados livres do século XIX, com pesos e contra-pesos que foram destruídos no Norte por políticos apoiados pela finança neoliberal.
16/Setembro/2010
Notas
1 Para uma longa história deste debate ver Stephen Zarlenga, The Lost Science of Money: The Mythology of Money – The Story of Power (American Monetary Institute, 2002).
2 Descrevo esta contracção económica em “Saving, Asset-Price Inflation, and Debt-Induced Deflation,” in L. Randall Wray and Matthew Forstater, eds., Money, Financial Instability and Stabilization Policy (Edward Elgar, 2006):104-24, and “Trends that can’t go on forever, won’t: financial bubbles, trade and exchange rates,” in Eckhard Hein, Torsten Niechoj, Peter Spahn and Achim Truger (eds.), Finance-led Capitalism? (Marburg: Metropolis-Verlag, 2008):249-272.
3 Descrevo isto em America’s Protectionist Takeoff 1815-1914 : The Neglected American School of Political Economy (ISLET, 2010), and Trade, Development and Foreign Debt : A History of Theories of Polarization v. Convergence in the World Economy (London: Pluto Press, 1992; new ed. ISLET 2010).
[NT 1] Progressive Era : Nos EUA chamam assim ao período que vai da década de 1890 à de 1920.
[NT 2] Depletion allowance: Importância correspondente à diminuição do valor de recursos (minerais e florestais) resultante de sua exploração, podendo ser computada como custo ou encargo da empresa em cada exercício.
[NT 3] FICA: Federal Insurance Contributions Act.
O original encontra-se em http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=21068 .
Tradução de JF, Resistir : http://resistir.info/