A pensar o impensável: Um cancelamento da dívida e um ano jubileu com uma reabilitação
tingimos o ponto em que podemos finalmente ser capazes de romper a membrana de dissonância cognitiva que tem estado a cegar o povo. Um curso simples de ciências económicas – principiando no secundário, continuado numa faculdade e a seguir refinado numa pós-graduação – deveria explicar aos estudantes porque é errado acreditar na publicidade que a Wall Street apregoou durante o último meio século: A promessa enganadora de que uma economia pode enriquecer seguindo a matemática da “mágica do juro composto”.
A irrealidade desta promessa deveria ser imediatamente evidente ao examinar a matemática do crescimento exponencial . Já no tempo da Revolução Americana, economistas financeiros popularizavam o contraste que Malthus a seguir imitaria na sua teoria da população: Dívidas crescem a taxas “geométricas”, ao passo que a própria economia cresce apenas “aritmeticamente”, de um modo mais lento e mais linear.
Tudo o que é necessário é colocar esta ideia junto à definição básica do balanço: As poupanças de uma pessoa são emprestadas e tornam-se dívidas de outras pessoas. Assim, a “mágica do juro composto” para os poupadores significa igualmente uma “mágica do endividamento explosivo” em outros lugares na economia. E na medida em que os credores insistem em proteger-se do inevitável incumprimento pela tomada de posse do colateral, é natural que a maior parte das dívidas da economia seja devida aos seus maiores activos: terra e edifícios. Isto explica porque dívidas hipotecárias têm de ser reembolsáveis e “libertas de toxicidade”.
A “mágica do juro composto” refere-se à tendência das poupanças para duplicar e reduplicar exponencialmente, com uma ascensão correspondente no que os devedores devem do outro lado do balanço. Esta matemática tem estado a operar ao longo da história, desde quando o encargo do juro foi inventado na Suméria em algum momento por volta do ano 2750 AC. Em toda sociedade conhecida, o efeito foi concentrar riqueza nas mãos das pessoas com dinheiro. Nos últimos anos, nem mesmo é necessária a posse de moeda para fazer isso. O poder para endividar outros a si próprio pode ser alcançado através da livre criação de crédito. Contudo, o resultante crescimento exponencial explosivo no endividamento deve entrar em colapso no ponto em que o seu juro e outros encargos inerentes (agora aumentados por comissões exorbitantes, multas sobre cheques sem fundos, custos com cartões de crédito e outras penalidades) absorvem todo o excedente económico.
A DÍVIDA NÃO PODE SER PAGA
Este é o ponto que foi atingido – e ultrapassado – no dias de hoje. Ele desenvolveu-se ao longo de muitas décadas. Mas há uma grande relutância em aceitar o facto de que a dívida não pode ser paga. “Os pobres são honestos”, como me explicou um banqueiro, e acreditam que “uma dívida é uma dívida” e deve ser paga. (Não é isto em que acreditam Donald Trump, Bear Stearns ou a AIG, mas eles estão no topo da pirâmide económica, não na sua base).
Ao longo de anos numerosos editores rejeitaram livros que lhes propus sobre o assunto. Eles explicavam-me: “Ninguém quer ler como a bolha irá arrebentar – pelo menos enquanto ela não se romper. Você não poderia escrever um livro sobre como ganhar um milhão de dólares com o colapso económico que está para vir? Isso seria um best-seller, Prof. Hudson. Mas dizer às pessoas que elas não podem pôr poupanças de lado e pagar pela sua aposentadoria é como dizer-lhes que terão mau sexo depois dos 50 anos de idade. Isso não vende. Volte quando tiver boas notícias”.
Estas são palavras que ouço desde meados da década de 1980. Passei muito tempo a olhar através da história a fim de verificar como o fracasso em eliminar a sobrecarga da dívida levou ao colapso da república imperial de Roma, e ao do Império Otomano que no fim do século XIX era conhecido como “o saqueador do Egipto” e “a ruína da Pérsia”. Também publiquei uma série de quatro colóquios de assiriologistas e arqueólogos que descreviam como anteriormente, desde cerca de 2500 até talvez 3000 aC, os babilónios e outros governantes do Oriente Próximo souberam manter livres os seus cidadãos livres e preservar a sua propriedade da terra por meio da anulação de dívidas pessoais e agrárias ao assumirem o trono – um verdadeiro “feriado fiscal” – ou quando as condições económicas ou militares garantiam uma Reabilitação (Clean Slate) geral. (A série foi financiada e publicada pelo Peabody Museum de Harvard e agora está disponível junto à CDL Press ).
Estas reabilitações foram adoptadas literalmente, quase palavra por palavra, no Ano do Jubileu Bíblico, Leviticus 25. Até a mesma palavra hebraica, deror, foi utilizada para andurarum babilónico proclamado pelos governantes da dinastia Hamurabi de 2000 a 1600 aC. Assim, para mim é notável que homens de hoje que se afirmam líderes cristãos ignorem o facto de que no próprio primeiro sermão dado por Jesus, na Nazaré (Lucas 4:14-30), ele desenrolou o pergaminho de Isaías 61 e prometeu que tinha vindo “para proclamar o Ano do Senhor”, o Ano Jubileu. Esta era a “boa notícia” literal que pregava a Bíblia, como os pergaminhos do Mar Morte ilustraram abundantemente.
Mas é um sinal do poder da ideologia do credor que mesmo a essência deste documento fundador da civilização ocidental tenha sido ignorado por uma visão distorcida daquela cristandade primitiva. O judaísmo e outras religiões foram entusiastas, o que não é surpreendente. A passagem de Lucas sobre este sermão fundador de Jesus conclui destacando que “todas as pessoas na sinagoga ficaram furiosas quando ouviram isto. Elas levantaram-se, acompanharam-no para fora da cidade e levaram-no para a beira da colina sobre a qual a cidade fora construída, a fim de lançá-lo abaixo no despenhadeiro”.
Lançarem-no no despenhadeiro! Foi a isto que os revoltantes senadores romanos da extrema direita conduziram os seguidores dos irmãos Graco na colina do Senado, num exercício de violência política que impediu Roma de conceder alívio para a dívida no fim do segundo século AC. Tito Lívio, Diodorus, Plutarco e outros historiadores da época atribuíram a previsível queda do Império Romano às suas duras leis do endividamento orientadas a favor dos credores. Mas hoje, há historiadores a publicar livros especulando que talvez o problema estivesse nas canalizações de chumbo ou nas taças de chumbo do seu vinho, ou doença, ou super-extensão imperial, ou superstição – tudo excepto a causa para a qual os próprios historiadores romanos apontavam.
Ainda estamos a viver com as consequências da revolução oligárquica de Roma. Que é o que torna tão importante as audiências desta semana no Congresso sobre a dádiva de US$700 mil milhões. Primeiro através da força militar e a seguir através da sujeição à dívida e a servidão, Roma deixou como herança para a Europa um corpo de leis baseado na propriedade e orientado para o credor. Mas desde o século XIII, país após país alterou o equilíbrio outra vez em favor dos devedores – para salvá-los da escravização pela dívida, das prisões para devedores, do endividamento permanente, para lhes dar uma reabilitação ao nível individual.
LUTERO, MARX E A USURA
Handel organizou a primeira execução de O Messias como um acto beneficente a fim de conseguir dinheiro para salvar devedores de prisões irlandesas, e todos os anos aquele oratório era repetido com essa finalidade caritativa. Martinho Lutero advertiu acerca da matemática do juro composto como o monstro Caco , a devorar tudo. Mas as denúncias de Lutero quanto à usura são excluídas das suas obras publicadas em inglês, e estão disponíveis nesta língua apenas no Volume III de O Capital de Marx e no Livro III das suas Teorias da Mais Valia. A discussão do juro e da banca tornou-se tão marginalizada que mesmo quando eu ensinava a cadeira “Moeda e bancos” na New School de Nova York, em fins da década de 60 e princípios da de 70, isto não fazia parte do núcleo do currículo e era tratado como um tópico especial. (Felizmente, este não é o caso no lugar em que estou agora na Universidade de Missouri, em Kansas City. Mas levou muito tempo para chegar aqui).
Por trás desta alteração na escolha legislativa estava a percepção de que nenhuma economia se pode manter com o fardo de dívidas a crescerem a taxas exponenciais mais rapidamente do que cresce a própria economia. Nenhuma economia pode crescer a taxas exponenciais fixas, só as dívidas é que se podem multiplicar desta forma. Eis porque a dádiva de US$700 mil milhões do sr. Paulson aos seus colegas da Wall Street não pode funcionar.
O que isto pode conseguir é proporcionar uma transferência ocasional de riqueza para iniciados que já estão a jogar o sistema débito-crédito e a sugar rendimentos financeiros para si próprios. Todos os banqueiros da Wall Street, correctores e administradores de fundos com quem tenho falado durante muitas décadas sabem disto. Eis porque eles se pagam a si próprios bónus anuais tão grandes e grandes salários a cada ano. A ideia é sacar tanto quanto puderem. Tal como no velho ditado: “Você só tem de fazer uma fortuna uma vez na vida”. Eles têm estado a guardar as suas fortunas em outros lugares, ano após ano, principalmente em activos tangíveis: imobiliário (livre de hipotecas), mobiliário fino, barcos e troféus artísticos.
O plano deles agora é aperfeiçoar o que já era bom – tomar os US$700 mil milhões de Paulson e fugir. Não se trata de uma “salvação do sistema financeiro”. Trata-se de uma dádiva – para iniciados, para liquidarem todas as suas apostas más. Companhias de todas as categorias livrar-se-ão das suas hipotecas más, e também dos seus maus empréstimos de carros, pagamentos de mobiliário, empréstimos com cartões de crédito, empréstimos a estudantes – todas dívidas que qualquer actuário competente poderia ter dito desde o início que nunca poderiam ter sido pagas.
A NOVA CLEPTOCRACIA
Não é isto o que o secretário do Tesouro Paulson reconhece, o que é uma vergonha para ele. Na última sexta-feira de Setembro ele foi acompanhado pelo presidente do Fed, Bern Bernanke, a cantarem em uníssono um estribilho publicitário para a nova cleptocracia da América que soa tão falso que o Congresso e o público americano devem ouvir as desafinações. O Financial Times de Londres, bem como um grande número de europeus percebe isto. Isto é que tem estado a conduzir a taxa de câmbio do dólar esta semana. Parece mais fácil para os estrangeiros reconhecer a ameaça da transformação da democracia americana numa cleptocracia opressora.
Esta mudança é sempre repentina, organizada sob condições de emergência. Aqueles com memória de 12 anos atrás verão George Bush a desempenhar o papel de Boris Yeltsin na Rússia, em 1996, a pagar aos contribuidores da sua campanha dando-lhes todo o excedente económico que o governo poderia expropriar no infame plano “empréstimos por acções” aplaudido e apoiado pelo secretário do Tesouro de Clinton (e actual conselheiro de Obama) Robert Rubin. (Moral: precisaremos ter um Putin no nosso futuro próximo para bloquear o golpe anti-democrático?)
Quão irónico é isto tudo! Remontando à década de 1970, havia a teorização de que as economias russa e americana estavam a convergir. A ideia era que ambas moviam-se rumo a mais centralizados controles de Estado, financiamento de Estado, subsídio de Estado e um complexo industrial-militar. Ninguém esperava que a convergência se verificasse ao estilo Yeltsin com dádivas do governo a iniciados a fim de criar um novo grupo de multimilionários financeiros – os “sete banqueiros” sob Yeltsin em 1996, e a gang de hoje do Compadrio Capitalista do sr. Paulson.
Vamos examinar os eufemismos como um exercício de duplo pensamento orwelliano. O sr. Paulson defendeu o seu “programa de alívio para activos perturbados” (“troubled asset relief program”, TARP) afirmando que “activos hipotecários ilíquidos … perderam valor … sufocando o fluxo de crédito que é tão vitalmente importante para a nossa economia”. O crédito que é “tão vitalmente importante” assumiu a forma de maus empréstimos. Contra a pretensão do sr. Paulson, o problema não está em que eles são “ilíquidos”. Se este fosse o problema, ele seria meramente temporário. Os bancos do Federal Reserve são destinados a proporcionar liquidez – com bons colaterais, naturalmente.
CREDORES DEVEM ASSUMIR AS PERDAS
Como observou o colunista Martin Wolf, do Financial Times, na quarta-feira 24 de Setembro, o problema é que o valor facial dos empréstimos hipotecários e uma série de outros maus empréstimos excede de longe os actuais preços de mercado ou os preços que provavelmente serão concretizados este ano, no próximo ano ou no ano seguinte a este. Eles estão empacotados no que a imprensa financeira denomina correctamente como “produto tóxico”. O salvamento não é eficiente, escreve ele, “porque só se pode tratar da insolvência pela compra de maus activos a muito acima do seu verdadeiro valor, garantindo portanto grandes perdas para os contribuintes e proporcionando um salvamento ilimitado para a maior parte dos investidores irresponsáveis” [1] . “O caminho mais simples para recapitalizar instituições – conclui ele – é forçá-las a aumentar o património líquido e suspender os dividendos. Se isto não funcionasse, poderiam ser forçadas a conversões de dívida em acções. A atractividade de permutas dívida-acções é que elas criariam perdas para os credores, as quais são essenciais para a saúde a longo prazo de qualquer sistema financeiro”. Esta é a chave: se as dívidas não podem ser pagas, então os credores devem assumir as perdas.
Estes maus empréstimos são tóxicos porque só podem ser vendidos com uma perda – nem que seja porque os investidores estrangeiros já não confiam na honestidade dos banqueiros de investimento ou nos administradores de dinheiro dos EUA. Aqui está o problema que o Congresso não está desejoso de constatar e enfrentar. Muitos destes empréstimos são absolutamente fraudulentos. E eles estão a ser vendidos por vigaristas. Vigaristas que trabalham para bancos. Vigaristas que utilizam a fraude contabilística – tal como a fraude que levou ao despedimento de Maurice Greenber da AIG e dos seus émulos na Fannie Mae, Freddie Mac e outras companhias que entraram em contabilidade tipo Enron.
Não é isto o que a mágica do juro composto prometera. Mas é onde ela tem de acabar, com inevitabilidade matemática. Esta mágica foi uma publicidade chamariz de administradores de dinheiro da Wall Street e promotores do “capitalismo fundo de pensões” (ou “capitalismo popular” como era chamado no Chile pelos Chicago Boys a trabalharem para o regime assassino do general Pinochet, e pelos conservadores da Margaret Thatcher na Inglaterra). A promessa é que se as pessoas confiarem estes fundos a indivíduos que fazem muito, muito mais do que prometem, mas têm a vantagem da selecção natural de serem muito, muito cobiçosos, elas receberão uma perpétua duplicação de juros. É supostamente desta forma que as pensões dos trabalhadores americanos ainda serão pagas – pela mágica, não pelo investimento directo. Os aposentados em perspectiva são supostos assegurarem uma boa vida pelo investimento das suas poupanças em empréstimos a assaltantes corporativos que demitiram, despediram, reduziram e externalizaram estes mesmos trabalhadores. O truque é convencer os empregados a entregarem os fundos de pensão a administradores financeiros cuja ideia era fazer dinheiro da economia pela extracção de juros e dividendos dos trabalhadores, proprietários de casas e companhias que estavam a ser compradas com a alavancagem da dívida. Em última análise é a alavancagem da dívida por si própria que é suposta alimentar ganhos de capital.
Isto levou à loucura. A solução mais louca de todas para o governo seria dar ao sector extractivo financeiro ainda mais dinheiro – fundos que nenhum prestamista privados está desejoso de proporcionar, nem mesmo fundos abutre. Nenhuma firma privada foi capaz de descobrir o que o sr. Paulson e o desventurado sr. Bernanke estão hipocritamente a prometer: que um acordo viável, mesmo uma quase criação de dinheiro, pode ser feito comprando lixo agora e esperando que “a economia” fique boa.
Simplesmente, o que é “a economia” que se supõe efectuar esta façanha notável senão seus devedores hipotecários e corporativos? O governo deve fazer tal como os funcionários responsáveis pela imposição da lei agiram para impedir o que o Countrywide Financial e outros prestamistas predatórios faziam: empurrar Hipotecas com Taxa Ajustável explosiva e hipotecas com “situação líquida negativa” para devedores, em termos que muitas vezes começavam por um isco e terminavam num anzol. As companhias privadas podiam ser desafiadas e o seu conjunto de comissões penalizadoras rejeitado por um tribunal. Mas talvez o Congresso possa arquitectar uma lei que imponha estes termos duros aos eleitores. Seria como se vivêssemos num sistema em que o povo votasse de acordo com o seu próprio interesse.
Promessas de que os “contribuintes” serão capazes de recuperar grande parte deste dinheiro são uma ficção. Se houvesse uma esperança de recuperar este dinheiro, então os investidores lá de fora – fundos estrangeiros de compras, bancos estrangeiros, fundos de riqueza soberana do estrangeiro – teriam estado desejosos de comprar o Bear Stearns, o Lehman Brothers, a AIG e outras companhias a algum preço. Mas eles não quiseram tocar nisto a preço nenhum.
Por que deveria então o Tesouro dos EUA pagar até três vezes o dinheiro para a Guerra do Iraque, que acabará por ser perdido, depois de pagar os jogadores pelas suas próprias más apostas? Estes banqueiros já colocaram todo o risco do lado dos seus clientes e, fizeram lobby para reescrever as leis da bancarrota, em favor dos devedores. Tal como o assunto agora se apresenta, os US$700 mil milhões serão utilizados a fim de financiar os bónus deste ano, salários e comissões de vendas de milhões de dólares deste ano, e para contribuir ainda mais para os fundos de aposentadoria com paraquedas dourados que administradores financeiros sifonaram a fim de proporcionar segurança líquida para si próprios. Assim, estamos de volta ao lema básico destes dias: “Você só tem de fazer uma fortuna uma vez na vida”. Para eles, agora é o momento de tornar estas fortunas tão grandes quanto puderem. Porque a partir daqui é tudo colina abaixo.
Porque os bancos não concederão empréstimos
Aqui está porque a lógica governamental da dádiva é falaciosa: Trata-se de uma dádiva, não de um salvamento (bailout). Um salvamento é concebido para manter o barco a flutuar. Mas o barco Wall Street existente, carpinteirado pelos banqueiros de investimento que procuravam descarregar o seu lixo, deve afundar. A questão no momento em que afunda é simplesmente de saber quem será capaz de agarrar os botes de salvação e quem se afogará.
Há uma razão para os bancos não concederem empréstimos: a habitação e o imobiliário comercial já estão tão pesadamente hipotecados que não há valor de renda (rental value) disponível (sobre e acima de despesas operacionais, impostos correntes e serviço da dívida) para penhorar aos bancos. Ainda custa mais comprar uma casa do que arrendá-la. Nenhum aumento do montante de crédito, excepto hiper-inflação, pode curar isto. Nenhuma redução da taxa de juro levará bancos a arriscarem-se a fazer um novo mau empréstimo – isto é, um empréstimo que provavelmente apodrecerá e acabará com o banco a assumir uma perda depois de o mutuário abandonar o imóvel ou incumprir.
Saberá o Congresso o que é que lhe estão a dizer para fazer? Suponha-se que “contribuintes” estejam a espremer dinheiro para fora das “tóxicas” hipotecas lixo que compraram de investidores que compraram estes maus empréstimos. O único meio de fazer isso seria os preços do imobiliário serem elevado para níveis ainda mais elevados. Isto significa uma proporção ainda mais elevada de salários líquidos dos compradores de casa em perspectiva.
O sr. Paulson percebe isto. Foi por isso que ele orientou a Fannie Mae e o Freddie Mac a inflacionarem mais os preços de todo o imobiliário. Pelo menos para os actuais possuidores de hipotecas serem pagos pelos actuais devedores a venderem para o proverbial “louco maior”. A esperança no plano de Paulson é que haja suficientes “loucos maiores” com bastante dinheiro para tomarem emprestado de ainda mais enlouquecidos novos prestamistas hipotecários. Só a Fannie Mae, o Freddie Mac e a Federal Housing Agency estão desejosas de fazer empréstimos tão loucos, e isto é só porque estão a ser orientados pelo sr. Paulson para actuar neste caminho enlouquecido.
Aqui está o problema em seguir as ordens do sr. Paulson e conceder ainda mais empréstimos: Todo conselheiro imobiliário conhecido prevê uma nova queda de 20 a 30 por cento nos preços da propriedade ao longo dos próximos doze meses. Isto é actualmente a previsão padrão. O seu significado é que além de estarem inscritos na contabilidade os mais de cinco milhões de atrasados e arrestados que o sr. Paulson já reconheceu, ainda mais famílias terão abandonado o combate por esta altura do próximo ano. Irá o fundo de dádiva dos US$700 mil milhões tentar receber de volta despejando muita gente das suas casas – para pagar o suficiente ao “contribuinte” a fim de salvar o Countrywide, Washington Mutual e outros prestamistas predatórios por empréstimos que Procuradores Gerais do estado denunciaram como fraudulentos?
Para o governo começar mesmo a recuperar uma parte do valor dos US$700 mil milhões das hipotecas lixo compradas teria de forçar os novos compradores de casas a pagarem aos bancos ainda maior fatia do seu rendimento. E se eles assim o fizessem teriam menos rendimento para gastar em bens e serviços. O mercado interno encolheria, e as receitas fiscais cairiam aos níveis estaduais, locais e federal. O encargo da dívida deflacionaria a economia, provocando uma retracção geral posterior.
De modo que é aqui que a dissonância cognitiva entra em campo: É necessário, e mesmo inevitável, para o volume de dívida descer – não subir – restaurar o equilíbrio. Como explicou Alan Meltzer do American Enterprise Institute (logo de onde!), a Merrill Lynch pôde ser vendida a 22 centavos de dólar, e a economia sobreviveu à liquidação do Lehman Brothers e do Bear Stearns.
Tais cancelamentos de dívida são uma pré-condição para amortizar as dívidas hipotecárias da América a níveis que sejam comportáveis. Mas o plano do sr. Paulson é de combate a esta maré. Ele quer que a Wall Street seja mantida a arrecadar dinheiro a expensas da economia como um todo. Foram estes grandes bancos que fizeram lobby no Congresso para nomear des-regulamentadores, bancos cujos responsáveis pagam-se a si próprios enormes bónus e concedem-se enormes paraquedas dourados. Eles foram os líderes na grande campanha de desinformação acerca da mágica do juro composto. E agora estão prestes a obter o resultado do seu suborno.
A pretensão é que não pagá-los ameaçaria “a economia”. A realidade é que isto só travaria o comportamento predatório deles. Pior do que isso, para a economia como um todo, uma assunção pelo governo destes maus empréstimos impediria a amortização da dívida que a economia necessita!
Ainda pior. Se o Congresso viesse a ser tão destrutivo absorvendo US$700 mil milhões de maus empréstimos (para começar), os vendedores farão exactamente os que fizeram os cleptocratas da Rússia. Eles apanharão o seu dinheiro e mudar-se-ão para fora, para um país de divisa “dura”. Isto ajudará a fazer com que o dólar entre em colapso. Subirão os custos da gasolina e os preços das demais importações. A América será transformada numa economia de estilo russo pós-soviética, tendo dotado uma nova cleptocracia interna de iniciados, os quais utilizam alguns dos seus ganhos financeiros para financiar as campanhas de Yeltsins americanos, tais como McCain.
Assim, vamos admitir que economia tomou um caminho errado durante as últimas décadas. Como observou John Kay: “Quando o pó assentar, muitos bancos e hedge funds terão perdido mais dinheiro nas suas actividades de trading no ano passado ou pouco mais do que o fizeram em toda a sua história … A busca do valor para o accionista prejudicou tanto o valor para o accionista como o próprio negócio”. [2]
Preocupa-me que o salto de quarta-feira no Dow Jones médio assinale que os grandes decidiram que há uma boa oportunidade de a vasta dádiva ser aprovada. Os protestos republicanos parecem-me ter como objectivo não tanto realmente travar a medida, mas declarar publicamente para registo que se opõem a ela – antes de por ela votarem. Quando público acordar para a grande dádiva, os republicanos poderão dizer: “Foi um Congresso democrata que fez isso, não fomos nós. Leia os nossos protestos angustiados “. Toda a gente está a tentar cobrir-se. Com boas razões.
Não os deixem falar em nome dos eleitores e a seguir actuar contra a economia, apregoando que estão a tentar salvá-la. Uma dádiva desta magnitude sem precedentes iria estropiá-la tão prolongadamente quanto se possa discernir.
24/Setembro/2008
Notas
[1] Martin Wolf, “Paulson’s plan was not a true solution to the crisis”, Financial Times, September 24, 2008.
[2] John Kay, “How we let down the diligent folk at the Halifax”, Financial Times, September 24, 2008.
O original encontra-se em http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=10330 . Tradução de JF. Resistir.