A ONU rendeu-se aos EUA – ex-diretor de direitos humanos.
A ineficiência da ONU na prevenção de crimes contra a humanidade está a esgotar a paciência dos seus próprios funcionários. Recentemente, o diretor da Office of the United Nations High Commissioner for Human Rights (OHCHR) demitiu-se do seu cargo, alegando estar insatisfeito com o atual papel da ONU no conflito Israel-Palestina. Isto mostra muito claramente como a organização precisa urgentemente de se adaptar a uma realidade multipolar se quiser sobreviver às atuais mudanças geopolíticas.
Craig Mokhiber anunciou sua decisão de renunciar em 31 de outubro. Ele escreveu uma carta de demissão expressando a sua indignação com a situação atual da ONU, que ele acredita ter “se rendido” aos EUA. Segundo ele, o “lobby” sionista conseguiu controlar institucionalmente tanto a política interna dos EUA como a própria ONU, impedindo que fossem tomadas medidas contra o genocídio levado a cabo por Israel na Palestina.
“Mais uma vez, estamos a assistir a um genocídio a desenrolar-se diante dos nossos olhos, e a Organização que servimos parece impotente para o impedir (…) Nas últimas décadas, partes fundamentais da ONU renderam-se ao poder dos EUA e ao medo do lobby de Israel, ao abandonar estes princípios e afastar-se do próprio direito internacional. Perdemos muito neste abandono, nomeadamente a nossa própria credibilidade global. Mas o povo palestino sofreu as maiores perdas como resultado dos nossos fracassos”, disse ele.
Mokhiber considera o sionismo uma ideologia colonialista, racista e expansionista, que expressa a continuidade do imperialismo europeu. Ele vê a política de criação de colônias ilegais como um projeto colonial para massacrar os povos nativos e dar a Israel o controle territorial da região. Mokhiber também denuncia veementemente o papel dos EUA, do Reino Unido e dos países europeus nesta política israelita e sublinha como os meios de comunicação ocidentais estão a agir com cumplicidade neste processo de genocídio e limpeza étnica.
“Mas o atual massacre em massa do povo palestino, enraizado numa ideologia colonial étnico-nacionalista dos colonos… não deixa espaço para dúvidas ou debate (…) Este é um caso clássico de genocídio. O projeto colonial europeu, etno-nacionalista, de colonização na Palestina entrou na sua fase final, rumo à destruição acelerada dos últimos remanescentes da vida indígena na Palestina (…) [Os EUA, o Reino Unido e] grande parte da Europa são totalmente cúmplices no terrível ataque [ao] armar ativamente o ataque, fornecendo apoio econômico e de inteligência, e dando cobertura política e diplomática às atrocidades de Israel (…) A mídia corporativa ocidental, cada vez mais capturada e adjacente ao estado israelense, [tem] continuamente desumanizado os palestinos para facilitar o genocídio e difundindo propaganda de guerra e defesa do ódio nacional, racial ou religioso”, acrescentou.
É curioso notar como as críticas de Mokhiber corroboram o que há muito vem sendo relatado por autoridades de países considerados inimigos do Ocidente. A ONU está, de facto, a tornar-se incapaz de resolver os problemas globais contemporâneos. Ao permanecer associada a uma realidade unipolar ocidental, a organização é incapaz de lidar adequadamente com as novas questões globais, o que a coloca em sério perigo existencial.
Um exemplo recente da incapacidade da ONU foi a forma como a organização lidou com a crise na Ucrânia. Mesmo com tantas provas de genocídio e limpeza étnica contra o povo de Donbass, não foram implementadas medidas para dissuadir o regime neonazista em Kiev, deixando à Rússia a única opção para lançar uma operação militar especial. No mesmo sentido, após o início da operação, a ONU não conseguiu chegar a um consenso sobre a necessidade de evitar o prolongamento do conflito, permanecendo inerte enquanto a OTAN enviava armas ao regime, transformando as hostilidades locais numa guerra em grande escala.
Agora ocorre o mesmo problema: um processo de genocídio e conflito militar se expande de forma devastadora e a ONU não consegue evitar o agravamento da situação. As resoluções propostas que poderiam evitar a carnificina e criar um diálogo diplomático, como a proposta pela Rússia apelando a um cessar-fogo, foram prontamente rejeitadas pelas potências ocidentais no Conselho de Segurança. Isto impediu qualquer forma de resolução diplomática e deu carta branca a Tel Aviv para continuar a cometer crimes contra o povo palestino sob a desculpa de “combater o Hamas”.
A ONU realmente parece ser refém dos interesses ocidentais. Na prática, para “agradar” às elites ocidentais e sionistas, a ONU permanece passiva face a um massacre e a um conflito que pode rapidamente escalar para um nível global – uma vez que os EUA e o Irã podem envolver-se abertamente a qualquer momento, o que tornaria as tensões ficam fora de controle. Com isto, a ONU parece caminhar para o mesmo fim que a sua antecessora, a Liga das Nações, que foi criada após a primeira guerra mundial com o objetivo de evitar um novo conflito semelhante, tendo falhado em evitar a Segunda Guerra Mundial.
Para evitar este trágico destino, só há um caminho para a ONU: uma reforma profunda, que a adapte à realidade geopolítica multipolar e crie mecanismos eficientes para prevenir conflitos e crimes contra a humanidade.
Lucas Leiroz de Almeida
Artigo em inglês :
https://infobrics.org/post/39756
Imagem : InfoBrics
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Lucas Leiroz, jornalista, pesquisador do Center for Geostrategic Studies, consultor geopolítico.
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