A Islândia pode recusar a servidão da dívida
Olafur Ragnar Grimsson, presidente da Islândia, provocou alvoroço com a sua decisão de vetar legislação pela qual teria de pagar os 3,9 mil milhões de euros (US$5,6 mil milhões) perdidos por britânicos e holandeses num banco islandês falido, precipitando um referendo que provavelmente será perdido pelo governo. A resposta inicial das agências de classificação de crédito foi rebaixar os títulos islandeses, como se a Islândia estivesse a repudiar as suas dívidas no estilo argentino. Mas os opositores da lei não têm intenção de renegar as suas obrigações legais.
Está em debate o que deveria ser feito de acordo com o direito europeu relevante – e, mais especificamente, o que deveria ter sido feito em 6 de Outubro de 2008, quando Gordon Brown encerrou as operações do Icesave no Reino Unido, uma subsidiária do Landesbanki, o segundo maior banco da Islândia. Às autoridades islandesas não foi dada qualquer oportunidade para resolver as questões. Será que o primeiro-ministro britânico deixou a Islândia deixou a Islândia fora do perigo ao sacar demasiado cedo a arma do reembolso dos depositantes como se estivessem cobertos pelo seguro britânico ao invés de seguir os procedimentos da União Europeia?
Sob condições normais a Islândia, um membro da UE em perspectiva que assinou regras europeias de seguro de depósitos, ter-se-ia beneficiado o direito de resolver o problema com os depositantes de uma maneira ordenada. O artigo 10 da Directiva 94/19/EC da UE dá ao Iceland’s Depositors’ and Investors’ Guarantee Fund (TIF) nove meses para regular o assunto após a falência de uma instituição financeira. Financiado de forma privada por bancos internos (ao contrário da Financial Services Agency britânica, que é pública), o TIF arrecadava apenas um por cento dos passivos depositados como prémio de risco.
O direito da UE não prevê uma crise sistémica e não tem qualquer disposição que torne o governo passível para além da sua agência de seguro. Mas as linhas orientadoras acordadas na reunião do Ecofin, dos ministros das Finanças da União Europeia, em 24 de Novembro de 2008 eram claras: “Estas discussões negociadoras serão conduzidas de uma maneira compatível e coordenadas e serão levadas em conta as circunstâncias difíceis e sem precedentes em que se encontra a própria Islândia e a necessidade urgente de decidir sobre medidas que permitam à Islândia restaurar o seus sistema financeiro e económico”.
De modo que a questão mais vasta refere-se à capacidade da Islândia para pagar 250 por cento do seu actual produto interno bruto – aproximadamente US$20 mil por cada cidadão islandês – para solucionar a má administração do Landsbanki. O Fundo Monetário Internacional não pensou que isto fosse uma opção realista quando em Novembro de 2008 a sua equipe calculou que “Uma nova depreciação da taxa de câmbio de trinta por cento provocaria uma outra ascensão precipitada no rácio da dívida (para 240 por cento do PIB em 2009) e seria claramente insustentável”.
Opositores ao acordo do Icesave explicam que querem apelar às regras da UE respeitantes a salvamentos bancários e ao entendimento do Ecofin de que qualquer acordo preservaria a viabilidade económica da Islândia. Eis porque o parlamento da Islândia, o Althing, pediu no Outuno passado por um tribunal imparcial para tratar a questão. A Grã-Bretanha e a Holanda viraram as costas ao pedido. Eles têm estado desejosos de negociar sobre o prazo dos pagamentos pela Islândia – com o agravamento dos juros – mas não o montante total.
O governo da Islândia desejava ceder, como preço necessário para obter a condição de membro da UE. Mas inquéritos recentes mostram que 70 por cento dos eleitores perderam interesse na adesão. Esta é a mesma proporção que se estima vir a opor-se ao acordo do Althing de dar à Grã-Bretanha e à Holanda o que eles estão a pedir.
Eleitores islandeses preocupam-se sobre quão razoavelmente podem esperar pagar impostos suficientes para cobrar e enorme dívida. O problema é que a dívida externa não é pagar a partir do PIB. Ela é pagar a partir das receitas de exportações líquidas da balança de pagamentos, da venda de activos a estrangeiros e de novas tomadas de empréstimos. O mercado para o bacalhau é limitado e grande parte das licenças de quota da Islândia já foram penhoradas a banqueiros em troca de empréstimos, cujo serviço de dívida absorve grande parte da receita de exportação. Os encargos com juros também absorvem a maior parte das receitas das suas exportações de alumínio e dos seus recursos geotérmicos e hidroeléctricos, deixando pouca receita tributável.
Também há um cutelo pendente sobre as cabeças dos proprietários de casas da Islândia: hipotecas e outras dívidas estão indexados ao índice de preço no consumidor. Para um país dependente de importações tal como a Islândia isto, com efeito, significa a taxa de câmbio externa. Tentativas de pagar mais divisa externa do que o país pode gerar com rendimentos de exportações provocarão a depreciação da divisa e a ascensão mensal das prestações hipotecárias. Muitos perderão os seus lares. Muitos já o perderam. Há uma moratória dos arrestos, mas ela expira em Fevereiro.
Um princípio económico pragmático actua em tais condições. Dívidas que não podem ser pagas, não o serão (a menos que se pague a Pedro tomando emprestado de Paulo). Em causa, portanto, está quanto pode ser pago sem arruinar a economia da Islândia. Quantos islandeses devem perder os seus lares quando os encargos sobre as hipotecas indexadas à taxa de câmbio se elevarem? A emigração está a acelerar e muitos trabalhadores estrangeiros já abandonaram o país. Quantos mais deverão partir? E se a experiência pós soviética de uma aguda e súbita queda nos padrões de vida for relevante, em quantos anos deve a expectativa de vida dos islandeses ser abreviada?
O original encontra-se em : http://www.michael-hudson.com/
Tradução : http://resistir.info/.