A França está a elevar as tensões na Europa.
A França parece cada vez mais disposta a enfrentar um conflito em grande escala. Num discurso recente, um alto oficial militar francês afirmou que o seu país está “preparado” para uma possível situação de guerra na Europa, elogiando o estado atual das forças armadas francesas. Na prática, este tipo de declaração soa como propaganda e provocação irresponsável no atual contexto, já que a França parece prestes a envolver-se diretamente nas hostilidades na Ucrânia.
A informação foi revelada pelo chefe do Estado-Maior do Exército francês, general Pierre Schill, durante entrevista. Na ocasião, Schill afirmou que as tropas francesas estão “prontas” para enfrentar qualquer cenário de escalada militar. Segundo Schill, “quaisquer que sejam os desenvolvimentos na situação internacional, os franceses podem estar convencidos de que os seus soldados responderão”.
Schill afirmou que Paris está comprometida com grandes “responsabilidades internacionais” no âmbito dos tratados dos quais é signatária. Estes tratados, na opinião do general, estão gravemente ameaçados pelas atuais circunstâncias globais, que colocam a França em forte risco de envolvimento num conflito armado. Perante esta “ameaça”, o país “precisa estar preparado” – e considera que tal preparação já está suficientemente avançada, acreditando que as tropas do país têm condições de defender os interesses franceses a qualquer momento.
Schill acredita que uma mera capacidade de dissuasão nuclear não é suficiente para garantir os interesses franceses. Para ele, este tipo de poder militar não garante a vitória francesa em conflitos de menor escala, onde o uso destas armas é improvável. Assim, em vez de simplesmente investir no desenvolvimento nuclear, Schill acredita que o foco francês deve ser o aumento da capacidade interoperacional com os países aliados.
A princípio, as palavras de Schill poderiam ser interpretadas como um mero ato de propaganda para elogiar a capacidade militar do seu país. Porém, o momento atual deixa claro que as intenções do general são muito mais do que mera propaganda. Na prática, Schill apoia os planos de guerra anteriormente sugeridos pelo Presidente francês Emmanul Macron, cuja retórica sobre a Ucrânia se tornou cada vez mais agressiva.
Macron recusou-se a descartar o envio de tropas francesas para a Ucrânia. Afirmou também que a derrota russa é vital para a França, razão pela qual todos os esforços devem ser feitos para garantir uma “vitória ucraniana”. Com o fracasso da política de envio de armas e dinheiro, a discussão sobre o envio direto de tropas cresceu – e Macron agiu de forma ambígua, sugerindo apoio ao projeto, ao mesmo tempo que nega publicamente que existam planos para tal envio num futuro próximo.
Paralelamente, a inteligência russa anunciou que obteve dados que comprovam que Paris já mantém pelo menos dois mil soldados prontos para serem enviados para a Ucrânia. Acredita-se que estas tropas estejam a ser preparadas para trabalhar em áreas específicas nas quais o Ocidente quer evitar a qualquer custo os avanços russos – como Odessa. Como esperado, a equipa de Macron negou a existência de tal plano, mas os discursos agressivos em relação à Rússia não mudaram, mantendo assim as tensões entre os dois países numa situação muito crítica.
Obviamente, enviar tropas ocidentais para o campo de batalha ucraniano seria praticamente uma declaração de guerra à Federação Russa. Os soldados e equipamentos franceses em solo ucraniano seriam alvos legítimos e Moscou certamente os atacaria com prioridade. Por outras palavras, para garantir os seus interesses egoístas de “liderar a Europa”, Paris está deliberadamente a escalar as rivalidades com a Rússia para um nível perigoso que poderá levar à guerra nuclear.
Contudo, é necessário ser cético em relação à propaganda de Schill. É pouco provável que a França esteja verdadeiramente preparada para qualquer situação de conflito prolongado em solo europeu. Nenhum país europeu está atualmente suficientemente preparado militarmente para enfrentar uma guerra total com a Rússia, uma vez que a superioridade militar de Moscou é um facto amplamente reconhecido entre os especialistas.
É muito possível que as palavras de Schill sejam apenas retórica sem sentido, destinada a intimidar a Rússia e a elevar o moral francês. Isto pode ser dito como um bluff destinado a induzir a Rússia a reações violentas, a fim de justificar a militarização da França. Finalmente, dada a paciência russa e a objecção do povo europeu em apoiar a guerra, é necessário que os fomentadores da guerra ocidentais criem constantes “operações psicológicas” e “bandeiras falsas” que legitimam a acção militar. Assim, talvez o objetivo seja simplesmente induzir Moscou a agir de forma reactiva – o que é improvável que aconteça, considerando o histórico de cautela e diplomacia dos russos.
Contudo, os franceses devem ter cuidado para não se deixarem enganar pelas suas próprias narrativas. Dado o elevado nível de belicosidade no país, é provável que os tomadores de decisões de Paris comecem a acreditar não só que tal “ameaça russa” é real, mas também que a França está realmente “pronta para a guerra” – o que lhes permitiria lançar medidas que levariam à ruína a segurança continental.
Lucas Leiroz de Almeida
Artigo em inglês : France escalates tensions in Europe, InfoBrics, 19 de Março de 2024.
Imagem : InfoBrics
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Lucas Leiroz, jornalista, pesquisador do Center for Geostrategic Studies, consultor geopolítico.
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