Terremoto político: A revolução de Trump nos Estados Unidos
Os trabalhos de Hércules que esperam o novo Presidente
“Quando você dá [dinheiro aos políticos], eles fazem tudo o que você quiser que eles façam. Como homem de negócios convém-me que seja assim.” Donald J. Trump (1946-), em entrevista ao Wall Street Journal, 29 de julho de 2015.
“Nós [os Estados Unidos] gastámos 2 biliões de dólares; milhares de vidas. … Obviamente, foi um erro…George W. Bush cometeu um erro. Podemos cometer erros. Mas aquilo era uma evidência. Nós nunca deveríamos ter estado no Iraque. Nós desestabilizámos o Médio Oriente… – Eles [o presidente George W. Bush e o vice-presidente Dick Cheney] mentiram… Disseram que havia armas de destruição maciça. Não havia nada. E eles sabiam que não havia nada. Não havia armas de destruição em maciça. ” Donald J. Trump (1946-), durante um debate para a nomeação do candidato às eleições presidenciais pelo Partido Republicano (GOP), na CBS News, sábado, 13 de fevereiro de 2016.
“Na minha opinião, gastámos 4 biliões de dólares tentando derrubar várias pessoas que, francamente, se se tivessem mantido, e se tivéssemos gastado os 4 biliões nos Estados Unidos para consertar as nossas estradas, as nossas pontes e todos os outros problemas; os nossos aeroportos e todos os outros problemas que tivemos, teríamos feito muito melhor. Eu posso dizer isso agora.
– Nós causámos um tremendo dano, não só ao Médio Oriente; causámos um enorme dano à humanidade.
– As pessoas que foram mortas, as pessoas que foram eliminadas, e para quê? Não parece que tenhamos tido qualquer vitória.
É uma bagunça. O Médio Oriente está totalmente desestabilizado. – Uma bagunça total e completa.
– Gostaria que tivéssemos os 4 biliões ou os 5 biliões de dólares. Gostaria que tivessem sido gastos aqui nos Estados Unidos, nas nossas escolas, hospitais, estradas,aeroportos e tudo o mais que se está a desfazer”. Donald J. Trump (1946-) num debate presidencial do Partido Republicano, terça-feira. 15 de dezembro de 2015, Las Vegas, NV.
“Ao longo da história, qualquer profunda mudança política e social foi precedida por uma revolução filosófica, pelo menos entre uma parte significativa da população.” M. N. Roy (1887-1954), em “O Futuro da Democracia”, 1950.
Ocorreu um terramoto político geracional nos Estados Unidos e os choques que se irão seguir são potencialmente enormes. Na verdade, em 8 de novembro de 2016, contra todas as probabilidades, o candidato republicano Donald Trump (1946-) foi eleito como o 45º presidente americano, repetindo ad nauseam o seu slogan principal “Make America Great Again”. Será o primeiro presidente americano desde Dwight D. Eisenhower (1890-1969) a ocupar a Casa Branca sem ter qualquer experiência política.
A retórica e as propostas de Trump foram inequivocamente anti-establishment e anti status quo, tanto a nível nacional como internacional. Como tal, a vitória de Trump é uma revolução política na sua génese porque anuncia uma rutura com as políticas americanas seguidas por ambas as administrações republicanas e democratas dos E.U.A. desde os anos 90.
Por isso, a eleição de Trump inspira tanto medo quanto esperança. Medo entre as elites estabelecidas, especialmente entre os meios de comunicação e interesses financeiros estabelecidos e dominantes em Washington, já que a vitória de Trump será, sem dúvida, vista como um repúdio dos valores e das políticas desses interesses. E porque, depois do Brexit, em junho passado, pode ser também uma antecipação de derrocada das elites europeias, que também impulsionaram ativamente um mundo globalizado, com fronteiras abertas, imigração ilegal, mudanças tecnológicas e desindustrialização das economias mais avançadas.
Dados da noite de eleição, 8 de novembro, 22h
No entanto, há esperança entre aqueles que foram deixados para trás económica, politica e socialmente, especialmente entre os membros da classe média americana cujos rendimentos reais estão estagnados ou em declínio e que sofreram muito com a agenda e as políticas perseguidas durante as últimas três décadas. Nos últimos 30 anos, de fato, os 10% mais ricos e os 1% super-ricos da população dos Estados Unidos beneficiaram altamente com a mudança de uma economia de manufatura para uma economia de serviços, enquanto os 90% mais pobres foram deixados para trás.
Muitos dos trabalhadores americanos mais desprotegidos, especialmente aqueles com formação abaixo do ensino secundário, viram no candidato republicano Donald Trump e no candidato democrata derrotado Bernie Sanders a esperança de ver as coisas mudarem para melhor. É sintomático que os americanos nas grandes áreas urbanas tenham votado massivamente na candidata democrata, enquanto as áreas industriais e rurais o tenham feito massivamente no candidato republicano. Contrariamente às sondagens, os modelos de previsão que incluíam o contexto histórico e o desejo de mudança na sua previsão tinham razão. É o caso do modelo do professor universitário americano Allan J. Lichtman.
Os trabalhos de Hércules que esperam o novo Presidente
O presidente eleito Donald Trump e sua equipa têm pela frente uma tarefa hercúlea, se quiserem cumprir as promessas que fizeram.
1- Comecemos com as principais mudanças que se esperam na política externa.
Os maiores perdedores das eleições de 8 de novembro serão os falcões da política externa e os neoconservadores dos governos anteriores dos Estados Unidos, desde o governo Bill Clinton até aos últimos governos de Obama. Foram eles que levaram avante o reacender da Guerra Fria com a Rússia e que desenharam as políticas intervencionistas, que estão a destruir o Médio Oriente.
Espera-se que uma administração Trump reverta a política da NATO liderada pelos EUA para provocar a Rússia, multiplicando movimentos militares hostis nas suas fronteiras. Além disso, pode-se esperar que uma administração Trump chegue a um acordo com o governo russo de Vladimir Putin para pôr fim ao desastroso conflito sírio. Esta é uma má notícia para a organização medieval e assassina do ISIS.
Naturalmente, espera-se que um governo Trump possa transformar as diretrizes da política comercial dos EUA. A política comercial deverá ser provavelmente acompanhada por uma política industrial. Na prática, isso pode implicar que o curso dos dois grandes tratados multilaterais de comércio livre e de investimento livre, o Acordo de Livre Comércio Transatlântico (TAFTA) e o Acordo de Parceria Transpacífico (TPP) será interrompido.
Nesse sentido, a revolução Trump pode significar que a globalização económica e financeira está morta.
2- As principais alterações que se podem esperar de uma administração Trump na política interna.
Uma administração Trump tentará estimular a economia dos EUA através de uma série de políticas económicas. Afinal, o candidato Trump prometeu impulsionar a taxa de crescimento dos EUA para um valor médio anual de 3,5% e criar 25 milhões de postos de trabalho na próxima década. E também prometeu “rever as nossas políticas fiscais, regulatórias, energéticas e comerciais”.
Como pode uma administração Trump estimular o crescimento? Primeiro, propondo um enorme corte de impostos de 4,4 biliões de dólares para estimular o crescimento, não muito diferente do programa de corte de impostos de 1,3 biliões de dólares da administração Bush-Cheney em 2001-2003, que teve resultados duvidosos, além de ter aumentado o deficit fiscal do governo dos EUA.
Em segundo lugar, um governo Trump tentará impulsionar a criação de empregos na indústria dos EUA. Para isso, terá que fazer melhor do que o recorde alcançado durante os dois mandatos de Bush-Cheney, quando os Estados Unidos perderam mais de seis milhões de empregos na indústria. Para reverter essa tendência, Trump pode tentar forçar o repatriamento dos lucros de 2,1 biliões de dólares que as empresas americanas possuem no exterior e induzir essas empresas a investir mais nos Estados Unidos. Pode também aumentar alguns impostos sobre as importações para persuadir as empresas americanas a criar empregos nos EUA. Até que ponto um Congresso controlado pelos republicanos aceitará essa política comercial protecionista ainda está para se ver.
Finalmente, o candidato Trump prometeu lançar um enorme programa de investimento em infraestruturas, afirmando que queria “construir a próxima geração de estradas, pontes, ferrovias, túneis, portos e aeroportos”.
3- Os desafios do governo Trump nas políticas sociais
De longe, o maior desafio que um governo Trump enfrentará será lidar com a promessa do candidato Trump de abolir o programa nacional de saúde conhecido como Obamacare. Ele propôs a substituição da lei americana de saúde com uma transferência do Medicaid para os estados, acompanhada por um programa estadual de subsídios, e isenção de impostos para as empresas que facultem planos de seguro de saúde aos trabalhadores, sendo alargada a indivíduos que comprem os seus próprios planos de saúde. O candidato Trump chegou mesmo a namorar a ideia de os EUA adotarem um sistema de saúde de contribuição única. A ver vamos como uma questão tão complexa irá ser resolvida.
Conclusão
Vai levar semanas e meses até que a agenda real do governo Trump fique clara. Sob uma presidência de Donald Trump, os Estados Unidos podem esperar mudar de direção em muitas políticas. À medida que esta revolução se desenrolar, os olhos do mundo estarão focados no governo Trump e nas novas políticas que ele tentará implementar. Esperemos que tal seja feito com cuidado e pensamento inteligente, e não de modo precipitado e caótico.
Rodrigue Tremblay
Artigo em inglês :
Political Earthquake: The Trump Revolution in The United States, 9 de Novembre de 2016
Tradução : Júlio Manuel Dias Gomes (Economics teacher at Faculty of Economics at University of Coimbra, Portugal, now retired.)